A Forbes África Lusófona esteve à conversa com o actual governador do banco central de São Tomé e Príncipe, Américo Ramos, que em 2018 desempenhava o cargo de ministro de Economia Azul e das Finanças, num Governo liderado por Patrice Trovoada (2014-2018), líder do partido político Acção Democrática Independente (ADI). Em 2019, após a perda de poder do ADI e consequente saída do Governo, Américo foi detido no dia 03 de Abril por um período de três meses, sob acusação de ter desviado 17 milhões de dólares do Fundo Kuwaitiano, tendo sido libertado a 03 de Julho do mesmo ano. Desde a primeira hora Américo Ramos declarou-se inocente e considerou-se um preso político. À altura dos factos, o Governo era liderado pelo MLSTP-PSD, que tinha como chefe do Executivo Jorge Bom Jesus. Agora, o actual Governo terá de pagar a Américo uma indemnização de cerca de 400 mil euros pela prisão considera ilegal. Antes de assumir o cargo de governador do Banco Central, Américo Ramos foi secretário-geral do ADI.
Como se desenrolou este processo?
Tenho a certeza que está na memória de muitos o fatídico dia 03 de Abril de 2019, em que saiu nos meios de comunicação social nacional e internacional a detenção do ex-ministro das Finanças de São Tome e Príncipe, acusado de ter desviado 30 milhões de dólares, proveniente de um acordo entre o Estado Santomense e uma empresa chinesa e 17 milhões de dólares resultante do acordo assinado com o Kuwait fund para construção de um Hospital. Esta notícia gerou euforia por parte dos fanáticos políticos e apoiantes do então poder e muita indignação por parte daqueles que, de forma realística, avaliaram a irracionalidade da acusação.
Em que circunstâncias ocorreu a sua detenção?
No dia 3 de Abril de 2019, exercendo eu, na altura, o cargo de Assessor Económico do Então Presidente da República, Evaristo de Carvalho, por voltas das 17 horas, a caminho da minha residência no meu carro pessoal, fui surpreendido por um carro da Polícia Judiciaria (PJ) vindo em minha direcção com sirenes ligadas, anunciando perigo. Parei, de forma serena e tranquila, perguntei aos dois agentes que estavam no carro da PJ o que se estava a passar e os mesmos, de forma autoritária e com tiros ao ar, deram-me ordem de detenção, sem apresentar um mandato ou qualquer um outro documento legal que justificasse tal abordagem.
E foi logo levado às instalações da Polícia Judiciaria?
Nesta instância fui submetido às mais absurdas questões, o que mostrava nitidamente que os agentes desconheciam por completo os dossiês. Mesmo assim, esforcei-me a dar explicações sobre finanças publicas. Depois de um longo interrogatório, sem nexo, um agente de nome Idalécio Bandeira, disse-me que deveria pernoitar nas instalações da Polícia Judiciaria, onde o indaguei porquê, tendo o mesmo tendo o mesmo justificado claramente que foi por orientações superiores. No dia seguinte fui levado ao Ministério Público para ser ouvido, o que infelizmente não aconteceu e fui conduzido diretamente ao Tribunal da Primeira Instância. Estando no Tribunal, após uma longa espera – foram cerca de 5 horas –, fui chamado à sala do Juiz de Instrução Criminal, o senhor Francisco Silva, onde estiveram presentes a minha advogada e a representante do Ministério Público. A minha advogada e a representante do Ministério Público esgrimiram todos os argumentos sobre a ilegalidade de tudo que estava a acontecer, demostrando que sendo o Ministério Público detentor de acção penal, não poderia haver uma detenção sem que o mesmo investigasse e acusasse quem quer que seja de crimes ou indícios de crimes.
E ainda assim continuou detido…
No final, o Juiz decretou a prisão preventiva e fui levado para a cadeia central. Permaneci detido noventa dias e, durante esse período, os tribunais ignoraram todos os recursos interpostos pelos meus advogados e pelo Ministério Publico. Até mesmo o arquivamento do processo pelo Ministério Público por falta de provas e que mandava libertar o suposto arguido foi ignorado. Quando esgotaram os 90 dias – prazo legal da prisão preventiva, de acordo com a nossa legislação –, fui presente ao Juiz que decretou a minha liberdade, mas com um Termo de Identidade e Residência (TIR) e uma caução económica de 150 mil euros, o que avalio como mais absurdo ainda.
“Percebi facilmente que não se tratava de um processo judicial, mas sim de os políticos utilizarem a justiça para me perseguirem, humilharem e sujarem a imagem de um opositor.”
Teve detido durante três meses, no entanto, foi solto sem ser provado a sua inocência, mantendo-lhe no país ainda com o TIR. Em que momento é que sentiu, de facto a sua liberdade em pleno?
Eu mentalmente senti-me livre porque, não tendo cometido nenhum crime de que me acusavam, percebi facilmente que não se tratava de um processo judicial, mas sim de os políticos utilizarem a justiça para me perseguirem, humilharem e sujarem a imagem de um opositor. A minha inocência foi provada desde a primeira hora. Alias, o Ministério, na altura, recorreu a procuradores portugueses para auxiliarem na investigação e rapidamente chegaram a conclusão que não existia nada que pudessem utilizar para me acusar dos crimes que o poder de então me indiciaram. Eu fui um preso político.
Sente que a sentença lida há dias, que o absolve e lhe dá uma indeminização no valor que rondam os 400 mil euros pro parte do Estado foi influenciada pelo ADI, que regressou e está actualmente no poder?
Categoricamente que não. Eu, enquanto lesado, interpus uma acção contra o Estado no tribunal. Em momento nenhum comuniquei a minha intenção ao [partido] Acção Democrática Independente (ADI). Qualquer Juiz que se preze tem nesse processo todos os elementos bastante suficientes para decretar que houve violação grosseira dos meus direitos enquanto cidadão e, mais, houve uma acção propositada e concertada entre o Governo de então e alguns juízes da primeira instância e do supremo tribunal de justiça, bem identificados, para humilharem e enxovalhar nacional e internacionalmente um cidadão.
Acredita que o poder judicial em São Tomé e Príncipe é justo e independente?
O sistema judicial de São Tomé e Príncipe padece de uma enfermidade grave e que tem sido o obstáculo ao desenvolvimento do país em vários domínios devido a um punhado de Juízes bem identificados que tem feito deste órgão como se de sua casa se tratasse, infelizmente.
O que tem a dizer às pessoas eles o colocaram nesta situação?
Há um provérbio na nossa língua forra que diz o seguinte traduzindo para português “Quem faz porcaria, esquece que o fez, mas quem tropeçar nela jamais esquecerá.”