O antigo primeiro-ministro de Portugal, José Manuel Durão Barroso, afirmou, durante a sua recente deslocação a Angola, que “se assiste hoje – além da guerra entre a Rússia e a Ucrânia e que “ameaça a segurança alimentar em todo mundo” – a uma “preocupante” fragmentação a nível global, com a nações a saírem da globalização para a regionalização.
“Tem estes desenvolvimentos mais recentes, nomeadamente a questão Rússia-Ucrânia, mas, se formos sinceros, há razões muito mais anteriores, concretamente o conflito [económico] entre os Estados Unidos e China, que ao meu ver é um conflito que vai continuar, seja em termos de desacoplamento, que levaria a uma separação e fragmentação da economia global, seja em termos de contraposição que a União Europeia deu aos Estados Unidos”, referiu o também ex-presidente da Comissão Europeia.
Para Durão Barroso, a União Europeia procura manter, de uma forma geral, os mercados abertos, mas está-se numa situação em que “verdadeiramente” não se sabe onde será o ponto de equilíbrio. “Eu diria que hoje o novo nome da globalização é regionalização”, disse.
Na visão do actual presidente não-executivo do Banco Goldman Sachs International, “estamos em risco de acoplamento, fragmentação, de uma situação internacional mais polarizada, mais errática, mais volátil, onde alguns bens públicos globais como seja a segurança alimentar podem estar em risco”. Daí ter advogado a necessidade de se promover tudo que tem a ver com a auto-suficiência alimentar.
“É importante que os países ponham, de certa forma, a ideologia a ser um interesse geopolítico em segundo lugar e compreendam que precisamos de uma cooperação global”, apelou.
Hoje em dia, prosseguiu o antigo chefe do Governo português, parece evidente que a decisão que se toma por todo o mundo quer na China, nos Estados Unidos, quer na Europa, são para investirem mais na sua resiliência. “Actualmente, por causa das razões geopolíticas apontadas, a verdade é que estamos a viver, eu não direi que já uma desglobalização, mas pelo menos há uma regionalização. Estamos a assistir que os grandes poderes económicos no mundo, essencialmente os Estados Unidos, a China e União Europeia (…) estão a investir cada vez mais na sua região e não na região global. Estão a trazer as cadeias de abastecimento para perto de si”, apontou.
Caso se queira entrar numa situação de certa regionalização, sugere Durão Barroso, há que se investir, mantendo tanto quanto possível os mercados abertos, de que diz ser a favor. “Estamos numa situação em que muitos países e muitas entidades económicas – até entidades económicas globais – estão a investir mais na resiliência do que na eficiência”, alegou. Daí ter sugerido, em termos de prudência e gestão de riscos, os países investirem na sua própria segurança e auto-suficiência alimentar.
Embora considere “importante” a chamada “ajuda de cooperação para o desenvolvimento”, Barroso é apologista de que nada deve substituir os esforços nacionais próprios. “É a diferença que há entre condições externas e causas internas. O que explica o desenvolvimento de uma economia são as causas internas”, argumenta.
De acordo com o líder europeu, pode haver condições externas que facilitem ou dificultem o desenvolvimento de um país. “Por isso, quando me perguntam o que é que se pode fazer para o desenvolvimento em África e me perguntam o que é que a União Europeia pode fazer, ou o que podem fazer os países mais ricos, eu respondo sempre o mesmo: em primeiro lugar depende dos próprios países africanos. Da sua capacidade, da sua inteligência, das decisões que tomarem”, justificou.
O homem que já presidiu a Comissão Europeia defende ainda que, independentemente das diferenças políticas e ideológicas, haja entre os grandes poderes no mundo a capacidade para o entendimento mútuo quando se trata de “bens públicos globais”, tendo apontando como exemplos de bens públicos globais a segurança alimentar e a saúde.