Há uma receita secreta em Portugal que vale milhões. Está guardada num cofre, só uma pessoa sabe da sua existência e foi escrita no final da Segunda Guerra Mundial. “A receita pode estar num banco ou em casa. Eu não sei e até é bom não ter essa responsabilidade. Quando o meu pai achar que está na altura de me passar o segredo, cá estarei”, diz Daniel Matias, um dos herdeiros da Dr. Bayard, à FORBES.
Aos 33 anos representa a terceira geração e tem nas mãos o peso da tradição e a missão de fazer com que os rebuçados do avô, Álvaro Matias, passem de geração em geração. Daniel costuma dizer que nasceu e cresceu num caldeirão de açúcar, mel, glucose e plantas medicinais – os ingredientes que bem mexidos, aquecidos e arrefecidos se transformam em pequenos rebuçados que procuram aliviar a tosse.
A fábrica da Dr. Bayard está situada numa zona residencial da Amadora onde cheira permanentemente a rebuçados. O que parece ser apenas mais uma garagem é a porta de entrada da unidade fabril onde se produzem dos mais antigos rebuçados portugueses.
O homem desenhado nas embalagens de rebuçados da marca, em tons de azul, branco e vermelho, está ampliado e emoldurado à entrada, por cima dos cacifos dos trabalhadores. Atravessando uma porta, são muitas as máquinas que fazem um barulho ensurdecedor e por onde passam milhares de rebuçados em tapetes rolantes a toda a velocidade.
“Nestas instalações estamos limitados. Já pensámos em investir em duas linhas de montagem, mas está tudo em aberto. Só quando o meu pai (José António Matias, gerente da fábrica) achar que está na altura de se reformar e deixar isto para mim e para o meu irmão [André Matias] é que tomaremos alguma decisão”, conta Daniel.
Para já, as máquinas existentes dão conta do recado. São alemãs e italianas, da década de 1990, com as revisões actualizadas ao pormenor. Caso contrário não seria possível produzirem 800 mil rebuçados por dia. A dosagem dos ingredientes e o xarope das plantas medicinais (limão e canela estão entre os ingredientes) são a alma do negócio.
Foi o pai que programou as máquinas e o único a saber as dosagens certas. Daniel revela que o negócio não sofre grandes oscilações em volume de vendas. “Para um produto que está há 70 anos no mercado é sinal que estamos a fazer alguma coisa bem”, esclarece o neto do fundador.
A empresa trabalha com um centro de distribuição, que depois se encarrega de colocar os rebuçados desde as grandes superfícies às pequenas mercearias ou farmácias. Também existem alguns clientes que preferem carregar directamente o produto da fábrica.
Certo é que com o passar dos anos, as carrinhas com o logótipo do Dr. Bayard foram desaparecendo. Deixaram de fazer sentido para um produto que escoa toda a produção e stock é palavra que não existe no dicionário da empresa. “O mercado nacional absorve quase 100% da produção. É um produto sazonal, que vende bastante durante o Inverno. No Verão abrandamos a produção e tiramos o pé do acelerador”, acrescenta o responsável.
Nesta altura também compram menos açúcar, mel e glucose.
Procura digital
Actualmente, a empresa só produz os rebuçados peitorais e uma variedade de mentol. Têm ainda várias patentes registadas com caramelos de fruta, frutos secos ou chocolate.
Com a criação da loja online, a família Matias quis levar um pouco de Portugal ao mundo e aos portugueses que estão longe. Chegaram já a alguns países da União Europeia. “Mas são números muito insignificantes quando comparados com o volume de vendas no mercado nacional”, diz.
A marca tem um público consumidor ainda com bastante idade. Mas o objectivo é trabalhar a faixa etária dos 25 aos 35 anos com uma linguagem visual que as pessoas não associam muito à Bayard, para trazer pessoas diferentes à marca.
Nesse sentido, além da forte presença nas redes sociais, costumam realizar várias ações de merchandising, como a venda de sacos de pano ou canecas com o logótipo. O retorno dos clientes nacionais e internacionais tem sido favorável. “Na nossa plataforma de e-commerce fazemos vendas para o estrangeiro e isso serve como uma barómetro.
Em França, Inglaterra, Alemanha ou Brasil há mais interesse por parte dos consumidores. O projecto tem vindo a crescer porque todos os países com comunidades portuguesas são uma boa aposta”, explica Daniel.No entanto, edificar uma fábrica no estrangeiro para deslocalizar a produção e abrir novos mercados será praticamente impossível.
É que além do secretismo da receita, a família Matias tem um lema muito forte: querem estar presentes diariamente na produção, falar todos os dias com os funcionários e adoram mexer na massa, que é depois carimbada com o selo Dr. Bayard.