Ninguém precisa de relembrar Kevin Czinger de como era a zona industrial do nordeste dos EUA no auge da produção industrial americana.
O cheiro acre, a fuligem negra libertada pelas chaminés e o seu emprego de Verão numa siderurgia, a carregar carvão de coque com uma pá, estão bem presentes nas suas memórias de juventude em Cleveland nos anos 1970.
Esta cidade do norte do Ohio era então um símbolo do poderio industrial — até que tudo se desmoronou de repente. Agora, este empresário de 50 anos quer ajudar-nos a entrar numa nova era de produção — uma capaz de resistir às forças que dizimaram a sua terra natal e grande parte dos EUA.
Para termos uma ideia do que serão estes novos tempos, basta olhar para a miniatura de uma fábrica de automóveis, mais ou menos do tamanho de uma grande mercearia, situada num parque de escritórios de cimento e vidro nos subúrbios de Los Angeles.
Por trás das portas de vidro, e estacionado numa recepção que mais parece uma galeria, está o Dagger, um motociclo com ar desportivo e produzido pela Divergent 3D, a start-up que Czinger criou há cinco anos.
“O fabrico automóvel tradicional está, no fundo, falido do ponto de vista económico e ambiental,” afirma Czinger.
Ao lado está o Blade, um carro desportivo prateado que faz lembrar as viaturas do filme de ficção científica “Relatório Minoritário”. Czinger construiu ambos com uma abordagem à produção patenteada e fortemente assente em novas tecnologias digitais como a impressão em 3D.
São mais baratas do que os métodos tradicionais de fabrico, melhores para o ambiente e podem ser tão revolucionárias para a indústria do transporte como as viaturas eléctricas ou os carros automáticos.
O Blade e o Dagger são protótipos, mas Czinger juntou-se ao grupo PSA, fabricante de viaturas da Peugeot e da Citroën – e liderado pelo português Carlos Tavares –, de modo a trabalhar numa série de projectos de desenvolvimento nos próximos cinco anos. E a sua mini-fábrica vai fazer lotes de outras viaturas de teste — uma espécie de carrinhas — para clientes cujos nomes Czinger não revela para já.
Investidores como o multimilionário Li Ka-shing, da Horizon Ventures, a Altran Technologies (uma consultora francesa de engenharia de alta tecnologia que opera no sector automóvel), bem como o próprio Czinger e outros, injectaram 24 milhões de euros na empresa. E em breve estará concluída uma nova ronda de investimento que pretende chegar aos 85 milhões. “O fabrico automóvel tradicional está, no fundo, falido do ponto de vista económico e ambiental,” afirma Czinger. “Não podemos expandir e reduzir fábricas para acompanhar as mudanças no mercado.”
A Divergent 3D, afirma, abre caminho para um futuro melhor no que respeita à forma como os produtos industriais são feitos. Em vez das megafábricas de Detroit — ou das gigafábricas de Elon Musk — a produção do século XXI será regida, acredita Czinger, por redes de fábricas urbanas de pequena escala.
Vão poder produzir veículos de baixo custo e baixo nível de carbono e terão lotes pequenos e altamente customizáveis. Czinger acredita também que estas poderão ajudar a trazer de volta empregos a algumas comunidades.
Um novo paradigma
Construir uma fábrica de automóveis tradicional custa entre 400 milhões e mil milhões de euros, para além de ferramentas e maquinaria que são amortizadas durante muitos anos, razão pela qual têm de produzir centenas de milhares de veículos para serem lucrativas.
A Divergent 3D promete construir uma linha de produção de 20 mil carros ou mais por ano num espaço tipo armazém, equipado com impressoras 3D em larga escala, máquinas de corte laser e robôs de montagem. E tudo por cerca de 50 milhões de euros.
E dados os custos de capital e de produção mais baixos, o fabrico de veículos deverá ser, em média, até 5,7mil euros mais barato, afirma Czinger. A verdade é que o empresário não está sozinho nesta aposta. Até agora, a impressão 3D era usada sobretudo para fazer protótipos. Mas a tecnologia está a mudar rapidamente, com máquinas cada vez maiores e capazes de “gerar” peças maiores numa série de materiais de ponta, incluído metal em pó.
As vendas de impressoras 3D avançadas, que estão a ser usadas para fazer motores para os foguetões SpaceX e turbinas eólicas gigantes para a GE, estão a aumentar. A Ford Motor pode não imprimir F-150s em 3D para já mas está a utilizar esta tecnologia para produzir equipamento para as suas fábricas.
A HP prevê que esta tecnologia venha a contribuir para um futuro demarcado pelo “fabrico distribuído” no qual as empresas compram o que precisam, quando precisam e onde precisam, afirma Tim Weber, executivo na unidade de impressão em 3D da empresa. “Imagine que tem um mercado como a Amazon,” afirma Weber. “Encomenda um carro. Se calhar foi desenhado na Lituânia, mas é construído na sua terra natal e entregue uns dias mais tarde. É este o rumo que as coisas estão a seguir – talvez não para já, mas a quarta revolução industrial é precisamente isso.”
Costa Samaras, professor assistente de Engenharia Civil e Ambiental na Universidade Carnegie Mellon afirma que a impressão industrial em 3D vai “revolucionar uma série de cadeias de fornecedores actuais.”
A versão de Czinger dessa revolução assenta no uso de juntas metálicas complexas impressas em 3D, como o “tecido conjuntivo” que se liga à estrutura em fibra de carbono, ou aos “ossos” do chassis de um carro, usando um material altamente aderente em vez de solda.
O resultado é uma carroçaria forte e leve mas muito mais barata do que aquela que é usada na construção de modelos tradicionais. Em vez de pintura, os carros são revestidos com uma cobertura de vinil colorido bastante duradouro e resistente a arranhões. E uma vez que os carros são mais leves, exigem também menos combustível.
O grupo PSA abraçou o 3D da Divergent de modo a acelerar a sua eficiência fabril, parte de um esforço mais amplo de reconfiguração sob a direcção de Carlos Tavares.
Num estudo de seis meses para a PSA em 2016, os engenheiros determinaram que se usassem a tecnologia 3D da Divergent para desenvolver um SUV popular teriam enormes vantagens: o tempo de desenvolvimento era de menos um ano, o peso do veículo seria reduzido para metade, e haveria um decréscimo de 75% de peças, para além de aumentar a flexibilidade para alterações rápidas.
Quando as entregas começaram a aumentar, a Tesla lançou o elegante Model S que redefiniria o mercado de viaturas eléctricas. Czinger pode ter agora mais sorte com a Divergent 3D.
“Isto tem o potencial de reduzir drasticamente a dimensão e alcance da nossa pegada fabril, de reduzir o peso do veículo e acrescentar mais complexidade, ao mesmo tempo que nos dá uma flexibilidade quase ilimitada em termos de produção,” disse Tavares depois de assinar um contrato com Czinger no ano passado. “Estamos a falar de uma mudança radical para a nossa indústria.”
A Divergent 3D tem já contratos de desenvolvimento com cerca de “meia dúzia de empresas”, afirma Czinger. Se a Waymo, da Alphabet, ou a Apple construírem um dia os seus próprios veículos autónomos o sistema da Divergent 3D pode ajudar na sua concretização, afirma. “O meu foco é fazer isto a nível global,” acrescenta Czinger.
Czinger tem um passado curioso. Os seus dotes futebolísticos ajudaram-no a entrar para Yale, onde seria nomeado Jogador do Ano da Ivy League em 1980. Formou-se em Direito, trabalhou na procuradoria federal e foi ainda bancário no Goldman Sachs, no início da década de 1990. Mais tarde passou por empresas de investimento.
A Divergent 3D não é a sua primeira tentativa de revolucionar a indústria automóvel. Em 2008 co-fundou a Coda Automotive, convencido de que conseguiria fazer disparar as vendas de carros eléctricos com um sedan pouco apelativo, produzido por chineses. Mas o timing não era o melhor.
Quando as entregas começaram a aumentar, a Tesla lançou o elegante Model S que redefiniria o mercado de viaturas eléctricas. Czinger pode ter agora mais sorte com a Divergent 3D.
Não pretende competir em pé de igualdade com a Tesla ou outros no fabrico de carros. O modelo de negócio assenta no licenciamento de tecnologia 3D aos fabricantes. E desta vez, o timing pode estar certo.
À medida que a pressão no sentido da sustentabilidade aumenta e as viaturas próprias dão lugar ao transporte como serviço, especialmente em cidades congestionadas, é uma forma eficiente de produzir carros limpos e baratos para frotas urbanas partilhadas.
Um carro para Los Angeles pode ser diferente de um para Paris. “No fundo resume-se à capacidade de resistência do nosso ambiente, e da nossa economia depende desta diversidade.”