Com uma vivência de cerca de 28 anos em Portugal, onde formou-se em Bíblia e Teologia, pelo Monte Esperança Instituto Bíblico (Loures), o guineense Eugénio Esdras Sousa Carvalho Furtado cumpriu actividade missionária no interior de Angola, concretamente no município de Lucapa, província da Lunda Norte, onde, de 1994 a 1995, trabalhou na formação de obreiros, ao mesmo tempo que prestou apoio pedagógico às crianças da escola primária.
Em Portugal, juntamente com a esposa, desenvolveu um trabalho comunitário junto de crianças carenciadas (Costa de Caparica). Há quatro anos que vive como missionário, em Bissau, onde actualmente dirige o projecto “Portões Abertos” – uma iniciativa de educação e desenvolvimento comunitário.
Somando a sua experiência académica com a experiência adquirida ao longo dos tempos, Eugénio Furtado acredita poder contribuir para o ensino em África, sobretudo na Guiné-Bissau, com uma nova proposta para o ensino de matemática no ‘continente berço’.
Dos Estados Unidos aos países menos desenvolvidos, o ensino-aprendizagem da disciplina de matemática tem sido um desafio constante para alunos, pais, professores e os próprios Ministérios de educação. Para contornar essa dificuldade, as soluções encontradas passam essencialmente por aulas de reforço, onde se insiste nas mesmas metodologias das aulas convencionais.
Dentro das várias interrogações, Eugénio questiona, se no contexto africano é necessário repetir os mesmos procedimentos que provaram ser pouco eficazes. “Como é que os nossos alunos e seus educadores vêem a matemática? Como uma ciência importada da Europa? Será que não temos nada a aprender com a matemática das grandes civilizações africanas, nomeadamente a matemática do antigo Egipto, onde por exemplo o teorema de Pitágoras já era conhecido há pelo menos dois milénios antes de Pitágoras?”, questionou.
Eugénio Duarte considera que “conhecer a história da matemática africana é conhecer a nossa própria história e, consequentemente uma parte da nossa identidade”. Para ele, uma abordagem histórica das ideias e regras matemáticas não somente seria mais instrutiva, como também mais apelativa aos interesses e curiosidades dos estudantes.
É curioso notar que o objecto matemático mais antigo conhecido até hoje foi encontrado em escavações nas montanhas de Lebombo (entre a África do Sul e a Suazilândia). Pensa-se que data de 35 000 a.C.. o osso mede 7,7 cm e está entalhado com 29 cortes. Para alguns escritores é visto como um calendário lunar, servindo por exemplo para controlar os ciclos das lavouras, ou ainda, o ciclo menstrual.
Eugénio Duarte levanta a questão de como fazer quando surge a necessidade de registar grandes quantidades de objectos, como no caso da coleta de impostos. Para resolver esse problema, lembra, os antigos egípcios na segunda metade do quarto milénio a.C. criaram caracteres (hieróglifos) para representar números de 1 a 1 000 000: um traço por objecto para quantidades de 1 a 9 e um símbolo diferente para 10 e para cada um dos seus múltiplos (sendo estes também repetidos até nove vezes). Surgia assim, por escrito, um sistema de numeração decimal na sociedade egípcia, acrescenta.
O missionário fala do “enorme” legado deixado por esta civilização. Os muitos monumentos, as suas inscrições e os papiros, diz, dão-nos conta de seus avançados conhecimentos matemáticos e científicos. É de notar, acrescenta, o lugar destacado que o Egito tinha no mundo antigo pela citação de 1 Reis 4:30. “Ao exaltar a sabedoria de Salomão, o cronista toma o Egipto como uma das grandes referências da época: E era a sabedoria de Salomão, maior do que a sabedoria de todos os de Oriente e do que toda a sabedoria dos egípcios”.
“Se a história da matemática parece algo distante (no espaço e no tempo) ela pode e deve ser complementada com uma perspectiva mais próxima e mais local. Esse é o potencial da etnomatemática. Ela permite ao aluno a partir dos conhecimentos matemáticos informais já adquiridos na sua cultura para outros conhecimentos mais formais, das suas práticas e técnicas locais para outras mais universais”, refere Eugénio Duarte, que aponta como “um bom exemplo” do que afirmou o estudo dos sistemas de numeração das etnias da Guiné-Bissau, ou ainda os padrões matemáticos encontrados nas peças de artesanato produzidas localmente.
Assim, combinando estas duas estratégias, defende, o estudo da matemática teria novas facetas que acrescentariam ao lado teórico da disciplina uma perspectiva histórica, lúdica e cultural. “Ou seja, o estudo da matemática passaria a ter uma abordagem verdadeiramente contextualizada”, sublinha.
Tendo considerado todas estas vertentes, Eugénio Duarte realça que o resultado desta inovação nos alunos guineenses seria influenciar na capacidade de compreender questões essenciais como “a origem e a importância dos números; como estes são organizados nos mais diversos sistemas de numeração; e ainda como os números podem ser usados para resolver problemas reais do nosso dia-a-dia”.
“Uma nova proposta para o ensino de matemática em África, traria claramente um maior interesse, entusiasmo e entendimento no que tem que ver com esta ciência exata”, advoga.