Marcelino Pintinho de 37 anos de idade, nascido no município do Cazenga, na capital angolana, tornou-se no primeiro angolano a obter maior distinção de doutoramento [19 valores] a nível da União Europeia, conquistando assim o seu segundo doutoramento na Universidade de Évora, Portugal, depois ter já se doutorado em Ciências de Educação pela Universidade Metropolitana de Assunção, no Paraguai. Licenciado em Sociologia pela Universidade Agostinho Neto, mestre em Ciências de Educação, Pós-graduado em Intelligence e Estudos de Segurança e agora doutorado em Sociologia pela Universidade de Évora, Marcelino é dos oficiais-comissários mais jovens do Ministério do Interior da República de Angola, onde exerce a função de director da Escola Nacional de Protecção Civil e Bombeiros. Em paralelo, segue também carreira na docência como professor dos cursos de mestrados nas Universidades Jean Piaget de Angola e Privada de Angola (UPRA), assim como de licenciatura do Instituto Superior Politécnico Internacional de Angola (ISIA). Em entrevista à FORBES ÁFRICA LUSÓFONA, aborda, entre outros temas, os factores que ainda impede uma educação de qualidade no país.
Como surge a ideia se fazer uma tese de doutoramento com o tema “O Analfabetismo e o Desemprego como Factores de Exclusão Social, Caso do Município de Cazenga-Luanda”?
O problema da educação continua a ser um flagelo para Angola, em particular para o município do Cazenga. Se quisermos um desenvolvimento sustentável com oportunidades para cada cidadão, o ponto de partida é a educação. A ideia da escolha do tema resulta das crescentes desigualdades sociais, que os habitantes do Cazenga enfrentam.
É o segundo doutoramento que faz, o primeiro do que se tratou a tese?
A tese do primeiro debruçou-se sobre o impacto da educação de adultos no processo transgeracional. Uma análise do contexto familiar em Angola.
Porque escolheu a Universidade de Évora para este percurso académico?
Por ser uma das mais antigas de Portugal e uma das nove mais prestigiada da Europa, sobretudo por ser a primeira a abrir o curso de Sociologia em Portugal.
É o primeiro angolano que obtém a maior distinção de doutoramento a nível da União Europeia. Esperava alcançar este feito?
De facto, sou. Isso representa um sabor especial e orgulho para o país, por tudo que tenho feito. Era difícil de perspetivar. Não esperava o feito nessa dimensão, pois representa o ponto mais alto dos títulos académicos.
Durante a recolha de dados que dificuldades teve e como as ultrapassou?
Estudar fora e fazer a pesquisa em Angola, disponibilidade para obtenção de informações, literatura que aborda sobre o tema, essencialmente da realidade Angola, sobretudo por falta de apoio. Estudei por conta própria e nunca tive apoio de ninguém.
É dos poucos jovens a ter uma distinção a este nível. Quais são os seus planos daqui para frente?
Continuar a encorajar outros jovens a acreditar nos desafios que a sociedade nos apresenta, elaborar projectos concretos no âmbito da educação e desenvolvimento voltados à juventude e continuar a orientar trabalhos de mestrado e doutoramento, para alterar a forma de pensar, agir, sentir de muitos e acreditar que é possível começar a construir uma nova história e sonhar com uma Angola diferente, com uma educação e saúde “de sete cores”, como dizia [Nelson] Mandela.
A institucionalização das autarquias deve constituir uma prioridade e não uma condição política de ascensão para uns é recuo para outros.
O quê que o estudo que fez sobre o tema deste seu último doutoramento concluí?
[Concluiu] Que precisamos, de forma urgente, alterar a condição actual do país em matéria de educação e desenvolvimento, de modo a reduzir as desigualdades sociais; que devemos investir com seriedade nas políticas educativas; que a dotação do Orçamento Geral do Estado para educação está muito distante dos indicadores de África, o que vai dificultar sobremaneira a resolução dos principais problemas da educação em Angola. É necessário rever o papel das administrações em material de educação. A institucionalização das autarquias deve constituir uma prioridade e não uma condição política de ascensão para uns é recuo para outros.
Quais são para si as reais causas que estão na base da desigualdade social e como se pode inverter o actual quadro?
O que está na base é a falta de comprometimento com as políticas públicas, melhor distribuição dos recursos naturais, pouco investimento em projectos concretos sob empreendedorismo, desenvolvimento local e distância entre a educação, monitorização efectiva de estratégia e programas de intervenção.
O acesso a educação de qualidade é o grande impasse para se inverter o quadro?
É o principal, senão mesmo a única opção para a realização de Angola de todos e para todos, para que nos orgulhemos.
Como surge a paixão pela docência?
Tudo começou no município de Cazenga. Cresci num ambiente de muitos grupos, gangs de marginais e entendi que a melhor forma de reduzir tais práticas sociais era educar as pessoas, não importando aonde e quando. Tudo começou aí. Há muita gente que é professor, mas não tem sentido de educador. Para evitar o pior, surgiu-me então a paixão pela educação.

Sente-se valorizado enquanto docente em Angola?
Nem pensar! A profissão de docente em Angola, não tem merecido o devido valor. Existem professores com grau de Doutor a viver em casa de aluguer, nem transporte têm para mobilidade e, para piorar, os salários são complicados. Se fizermos uma analogia com a lógica do futebol, a profissão de docente é equiparada a uma equipa que sobe e desce sempre de divisão. Não há estabilidade. Não há incentivos para docência e a investigação.
Que lacunas o sistema de ensino que Angola tem?
Carece de abertura de cursos de mestrado e doutoramento, falta de projectos e incentivos para a investigação. Há distância entre o Ministério quer da Educação como do Ensino Superior Ciência e Tecnologia com as políticas educativas e projectos educacionais. Pouca produção científica e falta de interesse de leitura. Existem muitos outros fatores.
Fala-se muito que os estudantes angolanos ainda “têm problemas de base”. Também observa isto nos teus alunos?
Se existe então o problema não é dos estudantes mais sim dos professores, que não souberam corrigir e transmitiram de forma errada.
Na sua visão quais o que tem dificultado o processo de ensino aprendizagem em Angola?
Falta de condições educativas condignadas, insuficiências de professores educadores qualificados nas áreas que lecionam, insuficiência de comprometimento com as políticas e programas educativos, pessoas formadas em áreas sem qualquer conexão com a educação a dirigirem áreas-chave sobre o processo de ensino e aprendizagem.
Desigualdade é a mesma coisa que pobreza?
Pobreza é o principal indicador de desigualdade e condiciona o desenvolvimento de qualquer país.
De que desigualdade social se está a referir?
Da falta de condições, caracterizada como básica, para sobreviver com o mínimo de dignidade, em termos de acesso a educação, saúde, habitação, alimentação e trabalho, é esse tipo que me refiro.
É a desigualdade de renda, de riqueza ou de consumo?
Ambas as desigualdades traduzem o mesmo sentido.
Quais são os problemas causados pela desigualdade e a falta de acesso a educação?
O incremento da criminalidade, a pobreza, o analfabetismo, desemprego, precariedade do sistema de saúde, falta de desenvolvimento.
A seu ver, quais são os desafios das políticas sociais e educativa no país?
São a insuficiência de monitorização, ou seja, implementação, fazer com que sejam abrangentes inclusivas e que sirvam para retirar muitas pessoas do linear da pobreza. O principal desafio é, a partir das políticas educativas, poder construirmos uma Angola de referência em termos de educação e isso não é difícil. Devemos continuar a acreditar no país que temos e perspectivar soluções sem receio, que possam ser atingidas a curto, médio e longo prazo.