Define-se como alguém que tem procurado conquistar o seu lugar no meio artístico e na cena internacional, sobretudo, tendo várias vezes alcançou os seus objectivos.
O actor, argumentista e realizador luso-guineense, Welket Bungué, conta que a concretização de algumas metas neste sentido tem-lhe dado uma motivação extra, ao longo de 20 anos de profissão e descreve a sua trajectória profissional como sendo de altos e baixos. “Existem determinados projetos que te colocam profissionalmente lá no alto, outros passam a sensação de que o mesmo trabalho não chegou a ser visto, ou que não mereceu uma atenção especial”, conta.
Nos últimos anos, especialmente nos tempos da pandemia, diz ter compreendido que o essencial é mesmo trabalhar com paixão e olhar para aquilo que se faz com bastante orgulho, com bastante sentido de celebração, pois só o próprio sabe em que desertos passou para chegar onde chegou.
A viver actualmente entre Berlim (Alemanha) e Rio de Janeiro (Brasil), Welket Bungué, deixou a Guiné-Bissau, com apenas três anos de idade, com destino a Lisboa (Portugal). Desde então, sente-se como um cidadão em trânsito. “Não me canso de contar esta história, por que acho que sou um viajante nato, um corpo em trânsito. Houve uma altura em que pensava e gostaria de singrar no Brasil, investindo mais tempo. No entanto houve uma necessidade de voltar para a Europa e, no caso, escolhi ficar em Berlim”, explica.
Entretanto, o luso-guineense de 35 anos de idade garante que a ligação intrínseca com o Brasil se mantém, por via dos muitos amigos, especialmente no momento da gravação da série “Reencarne”, para a Globoplay. Sobre está série, garante que o fez crescer, olhar para si, agir enquanto actor, com base nas vivências que teve nos últimos anos. Em “Reecarne”, Welket representa o personagem Túlio, um polícia que esteve preso durante 18 anos e que o actor caracteriza como não binário, pois acaba por envolver-se com duas pessoas de géneros diferentes. “Esta personagem demostra uma liberdade de corpo, de pensamento de posicionamento social muito importante tendo em conta as agendas de afirmação negra, mas também de comunidades sub-representadas na dramaturgia”, considera Bungué.

A série, cujas gravações iniciaram em Março e terminaram em Setembro, conta no elenco com nomes como Taís Araújo, Henrique Dias, Isabel Zuaa, Pedro Caetano, Simone Spoladore, entre outros. “Foram meses de muita entrega e pesquisas para oferecer ao público uma história bastante vibrante, com personagens muito apaixonadas pela vida, pelos corpos que representam e pelas interações que a história oferece”, afirma o personagem da série que ainda não tem data prevista para a estreia.
“Qualquer pessoa consciente sabe que as oportunidades não são iguais. Existe uma grande discrepância de oportunidades e de acesso a estruturas dignificantes de trabalho e neste ramo tem a ver com a possibilidade de protagonizar histórias que representem verdadeiramente. Esta dificuldade encontra-se em países africanos em que a produção é muito diminuta, assim como em países que lideram as produções em quantidade, como é o caso da Nigéria e do Gana. Quando vamos para a Europa, as histórias tendem a reproduzir narrativas Euro centradas, que têm a apetência para reproduzir um certo desejo de superioridade da ‘branquitude’. Pode-se contar isto através das histórias dos heróis, ou pelas adaptações que fazem, mesmo não sendo histórias oriundas do território europeu, o caso de algumas histórias bíblicas, que nós vemos como os fenótipos são deturpados”, sublinhou, indicando ser esta “uma dificuldade” e “um desafio” presente em sua vida. “Não sei se mudou, entretanto, mas enquanto individuo profissional fui ganhando mais conhecimento, mais maturidade, identificando estas lacunas de um sistema desigualitário que opera para beneficiar certos perfis da sociedade”, acrescentou.
De acordo com Welket, a partir do momento que alguém toma consciência disso, deixa de desejar ser aceite num contexto específico e passa a vislumbrar a ideia de ser um bom profissional com valores sólidos, que consiga transitar em qualquer parte do mundo e trabalhar, deixando o limite de um único território. Quando assim acontece, sustenta, a situação passa a ser vista como um problema contornável, por que o sistema está aí para ser questionado e desmontado.
“Penso que há sempre tempo de arriscar em ser feliz, mais de que ser uma pessoa empacotada, rotulada por um determinado contexto culturalistas e/ou nacionalistas. Por vezes nós tendemos a achar que o sucesso só o é quando temos reconhecimento dos outros, mas o sucesso na verdade é quando nós evoluímos e conseguimos ter precessão disso, tendo em conta o lugar onde estávamos no início da nossa trajetória e do lugar onde nos encontramos hoje. Isso sim é o sucesso e, o que importa”, defendeu.
Sobre “Reencarne”, o autor classifica como “uma série irreverente” e “revolucionária” da televisão brasileira, que se poderá ver não só no Brasil como em toda a lusofonia, “por que a Globo exporta a teledramaturgia para os quatro cantos do mundo. Deu ainda nota que acaba de estrear na Sky TV e na Au tv, plataformas de streaming sedeadas na Europa, a série “Then you ran”, produzida pela Sky TV, em que participa encarnando o personagem Júlios. Para Dezembro, antecipa está prevista a estreia de “Davos”, uma série que retrata a espionagem que se passou durante a 2ª guerra mundial na região da Suíça.

Welket Bungué iniciou-se como actor aos 15 anos de idade, tendo posteriormente se tornado também realizador, mas afirma que é como actor que se revê e onde se sente verdadeiramente realizado. Ter talento, considera, pode fazer-te circular, comunicar e ter acesso a tantas pessoas e tantos lugares, de uma forma incrível e substancial. Só as circunstâncias e todas as energias ao redor é que conseguem efectivamente proporcionar isso, mas é mesmo no papel de actor que o luso-guineense consegue de fato expressar-se. À FORBES Bunguê revelou que a realização surgiu por uma questão de posicionamento político e afirmação pessoal.
“Dei início à realização por sentir que não tinha personagens relevantes, tendo em conta a minha formação. Depois comecei a entender que contar histórias assinadas por nós, direccionando um olhar e um pensamento crítico à nossa comunidade ou do mundo em que transitamos é importante, porque deixa uma marca nossa do ponto de vista autoral. São lugares destintos que se complementam”, frisa.
Confessa, no entanto, que actualmente já não consegue actuar sem pôr em prática o seu know how enquanto realizador, o que, diz, condiciona a actuação e torna-a mais eficiente, sendo uma mais-valia daquilo que se faz ou das várias habilidades. “Nós somos seres simultâneos. A história dominante enganou-nos, fez-nos pensar que só poderíamos ser uma coisa. Ou és guineense ou és português e se fores os dois, primeiro és luso e depois guineense. Portanto foram várias falácias criadas para aprisionar o ser humano de brilhar com essa multiplicidade que naturalmente existe”, sustenta.
A vida e obra de Welket Bungué é contada no livro “Corpo Periférico”, lançado em Julho de 2022, que se encontra disponível para encomenda na versão digital e física, através da Amazo.com.