Em Agosto, a Alemanha juntou-se ao leque de países na vanguarda da alteração do paradigma da mobilidade rodoviária, tal como a conhecemos. No âmbito das metas de redução da emissão de gases estabelecidas no acordo de Paris, onde o país se comprometeu a diminuir a as emissões de CO2 em 95% até 2050, o Bundesrat – a câmara consultiva do sistema de governação alemão – adoptou uma resolução que visa o fim da comercialização de carros com motor de combustão interna em 2030. “Se o acordo de Paris for levado a sério, não é possível permitir a comercialização de automóveis com motor de combustão interna no mercado interno após 2030”, justificou aos seus pares o deputado do partido “Os verdes”, Oliver Krischer, após a aprovação do documento.
Por enquanto, é apenas uma intenção que ainda terá de passar pelo Parlamento legislativo alemão (Bundestag) que o transformará em lei. Porém, segundo Carlos Jesus, presidente executivo da Zeev, uma empresa nacional que comercializa veículos eléctricos, “é mais uma pedra na construção de um novo paradigma da mobilidade”.
Um pouco por todo o mundo, a tendência de mudar o parque automóvel está em andamento.
Na Noruega, a legislação já em vigor proíbe a venda de carros de combustão interna a partir de 2025 e a sua circulação depois de 2030.
Em Amesterdão, na Holanda, não poderão circular carros movidos a gasóleo ou gasolina após 2025.
Por cá, a mobilidade eléctrica também está a fazer o seu caminho, mas ainda está longe de convencer os consumidores.
Caminho das pedras
Em 2009, o projecto-piloto da rede MOBI.E – Rede Nacional de Mobilidade Eléctrica, que consistia na instalação de 1300 pontos de carregamento, dos quais 50 de carga rápida, em 25 municípios, colocava o país na linha da frente da mobilidade eléctrica na Europa.
A aposta teve tanto eco que levou à escolha do país para a apresentação mundial da aliança entre a Nissan e a Renault no ano seguinte, e à escolha de Portugal para iniciar a comercialização do Nissan Leaf em 2011 – ano em que também chegaram ao mercado o Mitsubishi i-MiEV e o Renault Fluence. Contudo, cinco anos depois, só a Nissan parece ter ganho a aposta. O Leaf é hoje o carro eléctrico mais vendido em Portugal e no mundo, mas os consumidores nacionais não se deixaram convencer.
Segundo dados da Associação do Comércio Automóvel de Portugal (ACAP), até Setembro deste ano, foram comercializados em Portugal 546 veículos eléctricos, mais 48% que no período homólogo do ano passado, mas o equivalente a apenas 0,4% do total de carros ligeiros de passageiros comercializados no país e pouco mais do dobro do registado em 2011. Afinal, porque não aderiram os portugueses à corrente? Para Henrique Sánchez, presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Eléctricos (UVE), “é um número reduzido, embora possa não corresponder à realidade porque não inclui os carros importados”. Com estes, a UVE estima que o número de carros adquiridos em 2016 ascenda a 2 mil.
No entanto, quando questionado sobre a razão de vendas tão baixas, Sánchez não tem dúvidas de que o preço é um elemento bastante dissuasor para os consumidores.
“Os carros eléctricos continuam muito caros, pouco acessíveis à classe média”, afirma o responsável da UVE e um dos primeiros proprietários de um Nissan Leaf em Portugal. De facto, quando comparados nos stands, o preço dos veículos de combustão interna é inferior ao dos veículos eléctricos, o que pode assustar os potenciais compradores. Porém, de acordo com cálculos da FORBES, além dos benefícios que os eléctricos trazem para o meio ambiente, podem também ser uma boa escolha para a carteira.
Força dos incentivos
Quando Henrique adquiriu o seu Leaf, em 2011, o Estado contribuía com um incentivo à compra no valor de 5 mil euros, o que fez baixar o preço do carro para 32 mil euros – desconto ao qual se somava a isenção de Imposto Único de Circulação (IUC). No entanto, em 2011, com a crise económica que abalou Portugal e impôs ao país um severo plano de ajustamento financeiro, a mobilidade eléctrica ficou para segundo plano.
A isenção do IUC manteve-se, mas o incentivo à aquisição deixou de existir até 2015, ano em que regressou no valor de 4500 euros e mediante a entrega de um veículo com mais de 10 anos para abate, pela vontade do então ministro do Ambiente, Moreira da Silva. Porém, em 2016, já com o actual Governo, o apoio voltou a ser diminuído para 2250 euros, valor que irá manter-se em 2017 mas sem a condição que o acompanhava.
O corte brusco do incentivo financeiro do Estado foi uma machadada no estímulo à aquisição de veículos eléctricos. Mas o preço dos carros também sofreu uma descida significativa e há outros incentivos a considerar, as contas não são tão desfavoráveis como parecem no stand. A isenção do IUC, por exemplo, que pode representar uma poupança anual de centenas de euros, consoante a cilindrada do veículo, é apenas um deles. A manutenção é outra. Como não carecem de mudar óleos, filtros, correias ou turbos, os veículos eléctricos têm uma manutenção mais económica.
No caso de Henrique, o único custo anual que suporta quando leva o Leaf à inspecção anual obrigatória – uma imposição da marca para assegurar a garantia da bateria – é a mudança do filtro do ar condicionado. “Até nos pneus e nas pastilhas de travão poupo, porque o carro quase que trava sozinho devido à força gerada pelo regenerador de energia”, explica, indicando que paga, em média, cerca de 70 euros pelo serviço, quando o custo médio anual de uma revisão de veículo com motor de combustão interna ronda os 160 euros, ao longo de quatro anos. E, por fim, existem outras poupanças mais específicas, como seja a isenção de pagamento de estacionamento em várias cidades do país e o custo do combustível quase gratuito na rede pública.
São vastos os incentivos que ainda circulam à volta de um carro eléctrico. Mas será que são suficientes para convencer o orçamento familiar? A resposta depende mais do perfil de utilizador do que do preço de venda do veículo. Por exemplo, o valor de aquisição de um Nissan Leaf Visia, comercializado a um preço promocional de 26 mil euros, fica a escassas dezenas de euros do preço base de um automóvel a combustão interna do mesmo nível, como seja o Reanault Megane dCI 90, após descontado o incentivo à aquisição (2250 euros). E, comparativamente ao modelo a gasolina, a poupança obtida neste à saída do stand é eliminada ao fim de pouco mais de dois anos e meio.
Isto, caso o utilizador faça 15 mil quilómetros anuais e numa óptica conservadora, pois não inclui poupanças em estacionamento e assume que a electricidade é adquirida a 0,22 euros por kWh – preço praticado no mercado doméstico em tarifa normal, e que pode baixar para metade, caso se opte pela tarifa bi-horária, ou menos ainda, caso se use a rede de abastecimento pública. Ou seja, o maior problema dos carros eléctricos não é o preço.
Como a tecnologia das baterias está a evoluir rapidamente, os veículos eléctricos estão sujeitos a uma desvalorização expressiva, o que torna os usados numa boa opção para quem valoriza o investimento inicial. Por exemplo, um Renault Zoe de 2015 em segunda mão pode ser adquirido por 15 mil euros, menos 7 mil euros do que o preço do carro novo – a este valor é preciso ainda somar o aluguer mensal da bateria num montante a partir dos 69 euros, que varia de acordo com a quilometragem anual. Nestes casos, já não há incentivo, mas continua s ser uma boa opção quando comparado com um Renault Clio, cujo preço é semelhante na versão a gasolina e bastante superior na versão a gasóleo.
O problema está no abastecimento Em 2011, a Nissan anunciava uma autonomia de 165 quilómetros para o Leaf. Actualmente, o modelo pode ser adquirido com uma bateria de 30 kWh que lhe confere uma autonomia de 250 quilómetros. A Opel, por exemplo, deverá lançar em 2017 o Ampera-e, com uma autonomia real próxima dos 500 quilómetros. O preço ainda é desconhecido, mas a Tesla, cujos carros têm preços inacessíveis à maioria dos mortais, deverá lançar no próximo ano o Model 3, com uma autonomia real de 350 quilómetros, e um preço próximo dos 50 mil euros em Portugal.
No entanto, para já, os veículos eléctricos são recomendados para as pequenas deslocações citadinas. “Um carro eléctrico é uma boa opção para quem faz cerca de 15 mil quilómetros por ano, cerca de 40 a 50 por dia”, esclarece Carlos, sublinhando, no entanto, que é preciso atenção à diferença entre autonomia anunciada e real. “Convém dar um desconto de cerca de 30% ao anunciado pelo fabricante”, refere. Isto porque, tal como nos telemóveis e nos computadores, as baterias dos veículos vão-se desgastando e também há que ter em conta o estilo de condução e as condições climatéricas. Ligar o ar condicionado, por exemplo, é perder uns quantos quilómetros de viagem.
Embora se espere uma melhoria da eficiência das baterias, os especialistas apontam os 500 quilómetros reais como a autonomia ideal para um carro eléctrico.
“Com esta autonomia já é possível pensar num carro eléctrico para viajar”, explica Carlos, sublinhando, no entanto, que a expansão da rede é fundamental para incentivar a mobilidade eléctrica. O Governo sabe disso e aquando da inauguração dos postos de carregamento rápido na A2 e na A22 (Loulé), o ministro do Ambiente comprometeu-se a terminar o projecto-piloto iniciado em 2009 até ao final do ano (A1 e A23 serão as próximas artérias a ter pontos rápidos de carregamento), e a lançar um concurso para concessão da exploração de 14 de pontos de carregamento rápido em 13 cidades.
Mais tarde, em 2018, deverá estipular-se o modelo de comercialização e o preço de venda, o que deverá estimular a disseminação de pontos pelo país. Ou seja, a mobilidade eléctrica está de novo ligada à corrente e apresenta-se cada vez mais como uma alternativa aos poluentes e barulhentos motores de combustão interna.