“África é responsável por pelo menos 65% da produção mundial de diamantes naturais, mas apenas 10% da produção global, em valor, é lapidada no continente. Em entrevista à Forbes África Lusófona, M’Zée Fula Ngenge defende o aumento, no continente, de empresas de lapidação, polimento e fabrico de jóias, que “devem ser mais desenvolvidas e reforçadas”.
Como caracteriza a indústria diamantífera dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP)?
Quando se fala de antigas colónias de Portugal, como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, existe uma dotação e uma sinergia que ainda não foi totalmente aproveitada. Em termos de produção de diamantes, quase nenhum indivíduo ou entidade dá a conhecer que Angola é inegavelmente uma superpotência africana de boa-fé entre este pequeno grupo de países. Deveria ser do conhecimento geral que Angola não é apenas o maior produtor de petróleo de África, mas Angola é também o único Estado soberano do mundo que é favorecido com os interesses operacionais dos gigantes da extracção de diamantes. Falo da De Beers, Rio Tinto e Alrosa.
Se não há dúvidas quanto ao potencial de Angola, qual é a realidade nos demais lusófonos?
Em 2020, o Conselho Africano de Diamantes teve o prazer de assistir Moçambique a autorizar e emitir mais de 15 licenças de prospecção de diamantes, e o nosso órgão directivo tem provas de que os depósitos de diamantes nas províncias de Manica, Tete, Niassa e Gaza provaram ser engenhosos. Podemos também constatar que a Guiné-Bissau possui um potencial satisfatório no seu sector diamantífero, altamente subestimado. A maior parte das reservas africanas de diamantes de gema situa-se na África subsariana ou na região austral, pelo que qualquer estimativa de uma base de reserva é bastante difícil de determinar, devido à alteração da avaliação económica de materiais quase-gema e, além disso, como resultado de descobertas recentes em países produtores de diamantes como a Rússia, a Austrália e o Canadá.
Que papel países como Cabo Verde e São Tomé e Príncipe podem desempenhar no mercado diamantífero africano?
Embora Cabo Verde e São Tomé e Príncipe não sejam países produtores de diamantes, ambas as nações possuem um grande potencial na formação de uma infra-estrutura económica ou centro financeiro, que poderia aumentar a privacidade da indústria diamantífera, inibir as actividades de lavagem de dinheiro e facilitar a gestão das obrigações financeiras dos países africanos produtores de diamantes, como Angola. Além disso, estes dois países africanos, isolados, possuem a capacidade de se estabelecerem como fiduciários, intermediários oficiais e centros de armazenamento dos inventários de gemas africanas e/ou de diamantes industriais.
Que peso o sector diamantífero tem representado no PIB dos países africanos produtores deste mineral, de um modo geral?
O Botsuana produz anualmente cerca de 300 milhões de quilates e regista um aumento de 66% nas receitas minerais. A República Democrática do Congo produziu um pouco mais de 11 milhões de quilates no ano passado e tem o privilégio de fornecer 75% da procura mundial de pedras bort/boart, muito procuradas, que são normalmente utilizadas como abrasivos. Isto leva-me a referir que metade dos diamantes extraídos no mundo são utilizados para fins industriais, que estão ligados a ferramentas e maquinaria de corte, polimento, perfuração e moagem. O líder africano na produção de pedras preciosas naturais e de diamantes industriais é a República do Botsuana.
Deveria ser do conhecimento geral que Angola não é apenas o maior produtor de petróleo de África, mas Angola é também o único Estado soberano do mundo que é favorecido com os interesses operacionais dos gigantes da extracção de diamantes.
Quanto pesam os diamantes na economia do Botsuana e de outros produtores africanos?
No Botsuana, os diamantes representam 71% das suas receitas de exportação, 16% das receitas do Estado e 16% do PIB, que foi de 4,6% no ano passado e de 11,4% em 2021. Na Namíbia, os diamantes representam cerca de 21% do PIB, 48% das receitas de exportação e 59% das receitas anuais do Governo da Namíbia. Com base nos dados estatísticos do CAD, regularmente recolhidos e distribuídos, Angola gerou 1,95 mil milhões de dólares americanos de receitas em exportações de diamantes no ano passado, o que faz dos diamantes o seu segundo produto mais exportado, a seguir ao petróleo.
Em termos comparativos, o que é que os resultados conseguidos por Angola, em 2022, representam?
Os diamantes angolanos registaram um avanço significativo em relação aos anos anteriores, e este país regista hoje uma taxa de crescimento que reflecte um aumento anual de 1,38%. Nos Emirados Árabes Unidos, o Dubai recebe 68% da produção angolana de diamantes, que já ultrapassou valores superiores a 1000 milhões de dólares. A Bélgica recebe 21% da produção angolana em Antuérpia, estimada em mais de 350 milhões de dólares, e a China recebe 11% dos diamantes angolanos em Xangai, calculados em pouco menos de 25 milhões de dólares.
É apenas para estas geografias que se direccionam os diamantes oriundos de Angola?
O CAD também identificou quantidades esporádicas de diamantes angolanos que ocasionalmente aparecem na África do Sul e na Índia. Singapura, Hong Kong, Portugal, França, Suíça e Tailândia também estão a beneficiar da produção angolana, que ultrapassa um total de mais de 50 milhões de dólares americanos em receitas ilícitas.
O peso que os diamantes representam para as economias dos países africanos produtores é aceitável, ou acha que podia ser maior?
O CAD pode, oportunamente, apresentar dados que provam que esforços mais insistentes para eliminar a corrupção interna, o contrabando e a instabilidade contribuiriam significativamente para aumentar os fluxos de receitas dos diamantes, por isso, é claro que poderia ser maior.
O que estará a faltar para que os diamantes contribuam mais para o PIB dos países africanos produtores? Há uma série de benefícios a jusante que podem ser alcançados pela extracção de diamantes, como o corte e o polimento, pelo que as nações africanas podem gerar muito mais receitas com esforços imediatos e concertados nesta área específica. Com a intensificação do desenvolvimento de tecnologias avançadas de corte e polimento, o CAD sempre teve plena consciência de que os resultados a longo prazo nem sempre correspondem às esperanças dos autores e defensores da beneficiação de diamantes em África. Deve ser do conhecimento geral que o CAD é um apoiante e vem encorajando o turismo diamantífero e que continuará a estar na linha da frente para desempenhar um papel mais complexo em termos de gerar um maior interesse global.
*Matéria completa na edição impressa Maio/Junho