O negócio das empresas de contact center não denota estar a passar por dificuldades. Pelo contrário. Essa realidade deve-se a uma mudança de paradigma na sua abordagem ao negócio nos últimos anos, com a entrada em campo de um novo factor que está a fazer com que as empresas da área tenham de modificar as suas estratégias e começar a cuidar mais de quem trabalha nesta área: a exportação de serviços especializados.
Antes, as empresas de contact center baseavam o seu negócio exclusivamente no telemarketing e no apoio ao cliente através do telefone e só para empresas nacionais. O serviço era indiferenciado de empresa para empresa e as verbas pagas pelos clientes aos contact centers eram baixas. Pouco sobrava para os salários, muito reduzidos no sector.
Os profissionais que nele trabalhavam eram muitas vezes tratados como “carne para canhão”, com todos os deveres e poucos direitos. A Teleperformance, a maior empresa da área, era o espelho desse modelo semelhante. Quando João Cardoso entrou para dirigir a empresa, em 2003, a operadora contava apenas com instalações modestas na zona da Estefânia, um bairro da capital.
Tinham 20 operações pequenas que empregavam 250 trabalhadores. O foco era a venda de produtos e serviços a terceiros através do telefone. Facturavam 3 milhões de euros e o salário médio era de “500, 550 euros”, recorda João. Não havia grande mistério no negócio, mas também não havia grande potencial de crescimento.
A partir de 2005, João e a sua equipa resolveram começar a enveredar pela exportação. Isto é, fornecer serviços a empresas estrangeiras a partir de Portugal.
A ideia não era apenas promover deslocalizações para território nacional. O conceito a implementar era diferente: “a proposta de valor é de conseguirmos centralizar o serviço a clientes de vários países numa só localização”, elucida. Isto é, o mesmo serviço, efectuado em diversas línguas para vários países, a partir de Lisboa.
Esta estratégia fez com que os escritórios da Teleperformance, assim como os das principais operadoras, sejam, hoje, espaços de grande riqueza cultural. A Teleperformance, por exemplo, emprega directamente quase 7 mil pessoas de diversas nacionalidades, com um grande contingente de franceses e alemães, além dos portugueses.
Atrair profissionais estrangeiros é, na verdade, uma necessidade: a Teleperformance fornece, a partir de Lisboa, serviços para vários países e para pesos-pesados como o Facebook, Netflix e eBay, que exigem competências diferenciadas como o domínio de idiomas, além do português.
João revela que a Teleperformance Portugal exporta actualmente quase 70% da facturação, que, em 2015, chegou aos 95 milhões de euros. A subsidiária portuguesa registou, aliás, um resultado positivo de 8 milhões de euros nesse mesmo ano. Contudo, esta aposta no mercado internacional tem as suas implicações, e em especial no âmbito dos recursos humanos.
Os responsáveis do sector estarão a perceber que o anterior modelo – baixos salários, pouca especialização e rentabilização máxima e cega das pessoas – já não serve. E se quiserem manter o funcionamento das operações, já para não falar da qualidade, tanto os clientes como os operadores de contact center vão ter de abrir os cordões à bolsa.
Menos salário, mais sol
“Do you love everything about Social Media? We are looking for Norwegian speakers to join our team in Lisbon!” Este é um dos muitos anúncios publicados na página de Facebook da Teleperformance e revelador da necessidade de a empresa captar jovens profissionais com competências linguísticas variadas para virem trabalhar para Lisboa.
O esforço é tão significativo que a empresa até conta com um gabinete especializado para tratar de todas as burocracias aos estrangeiros que queiram vir para Portugal, como o registo nas Finanças ou a procura de alojamento. Mas haverá quem queira trocar os salários mais generosos do norte da Europa por remunerações mais baixas em Portugal? A resposta é sim, segundo o presidente executivo da Teleperformance. “Conseguimos desenvolver um projecto profissional atractivo para um conjunto de pessoas que, embora percentualmente não seja muito elevado, o é em números absolutos”, diz João.
Este “conjunto” caracteriza-se por profissionais à procura de um ambiente multicultural, de uma experiência internacional e – muito importante – da boa vida que se tem cá, numa cidade com um custo de vida mais baixo que a média das principais capitais europeias e cheia de sol.
Contudo, por mais vantagens naturais que Lisboa e Portugal ofereçam, a maior parte dos profissionais que cá trabalha não viria trabalhar para a Teleperformance por tuta-e-meia, isto é, a auferir o salário médio típico do sector em Portugal.
“Quando as pessoas vêm da Alemanha para Portugal, vêm efectivamente ganhar menos dinheiro. Elas não virão por dinheiro”, assume João.
Mas a verdade é que há mínimos olímpicos. E para manter estas pessoas é necessário bem mais do que foi dado por cá, nos últimos anos, aos trabalhadores do sector. Segundo Rui Henriques, presidente da mesa da assembleia-geral da Associação Portuguesa de Contact Centers (APCC), o salário médio dos profissionais do sector era de 750 euros brutos em 2015.
Um valor que já deverá considerar subsídio de alimentação e outros factores remuneratórios, explica. O salário real ronda, portanto, o salário mínimo nacional. Na Teleperformance, o salário médio em 2016 “estará na faixa dos 800 euros”, segundo João, numa média que abrange todas as funções existentes na empresa.
Certas funções auferem mais, “na faixa dos 1000 euros”, diz o responsável máximo da empresa, consoante a sua especialização. Porém, Danilo Moreira, líder do Sindicato dos Trabalhadores de Call Center Tás Logado? – numa referência à gíria do trabalhador da área, que tem de se logar, de login, antes de começar a trabalhar – e trabalhador há nove anos num call center, contraria esta ideia de subida salarial para a generalidade dos trabalhadores do sector.
Danilo diz à FORBES que só são beneficiados os estrangeiros ou as pessoas que tenham competências linguísticas específicas. Estas chegam a ganhar perto de 800 euros, refere. O resto, diz, acaba por ganhar o salário mínimo e muitos “sem contratação directa” sequer pela empresa de contact center. Isto é, são contratados por empresas de trabalho temporário como a Emprecede, veículo utilizado pela Teleperformance para campanhas temporárias.
Novos benefícios
Um barco antigo de pesca, andorinhas Bordalo Pinheiro, uma sala de reuniões a fazer lembrar uma esplanada, xailes. Benedita Miranda, directora-geral da Sitel, conduziu a FORBES pelos meandros dos escritórios da empresa no Parque das Nações, em Lisboa.
Toques de cor e de portugalidade abrilhantam um espaço cheio de luz natural que se quer alegre. A responsável considera que o bem-estar no trabalho, mais do que o salário,
é o elemento decisivo para fazer com que as pessoas consigam atingir a qualidade pretendida nas operações. E, claro, para não fugirem para a concorrência.
A Sitel, um dos players no mercado dos contact centers multilingue, começou a trabalhar a área internacional em 2005. Descreve-se como uma empresa-boutique do sector, dedicada quase exclusivamente a projectos para o estrangeiro que exigem uma força de trabalho com competências linguísticas muito específicas. Para cativar estes profissionais, Benedita revela que procura oferecer “condições não apenas relacionadas com a remuneração”.
E, nesse sentido, a Sitel disponibiliza cestos de fruta no local de trabalho, um seguro de saúde, um médico semanalmente nas instalações para quem necessitar de consultas, festas para os funcionários e para os filhos destes e até uma ceia de Natal para quem fica a trabalhar no dia 24 de Dezembro.
Claro que o salário também é importante. Os salários praticados na Sitel, que conta com 1300 trabalhadores actualmente – dos quais 70% são estrangeiros -, situam-se “entre 107% a 160% acima do ordenado mínimo”, segundo dados da própria empresa.
Ou seja, acima dos 1000 euros brutos. Salários só possíveis, diz Benedita, porque se trata de projectos internacionais. “A forma como se faz concorrência no mercado português é por preço e isso implica salários baixos”, considera.
Tal como a Sitel, a Teleperformance também aposta nos extras. Além do salário, que inclui uma componente variável, a empresa atribui seguro de saúde aos colaboradores, organiza eventos de desporto, festas, workshops, promove concursos internos com prémios como bilhetes para concertos, realiza acções de formação e oferece possibilidades de progressão na carreira.
E – muito incomum nesta área – os trabalhadores vão à casa de banho quando querem. Mas, apurou a FORBES, as regras são estritas para os trabalhadores em algumas funções para evitar fugas de informação das diversas operações: proibição de materiais de escrita e de telemóveis em cima das mesas, garrafas de água sem rótulos, casacos obrigatoriamente deixados no bengaleiro.
Uma forte correcção
O florescimento da área dos contact centers é mais um dos imensos frutos da terciarização de Portugal. De acordo com dados avançados pelo secretário-geral da APCC, Jorge Pires, ao Jornal de Notícias e confirmados pela FORBES, o número de colaboradores actual no sector oscilará entre os 80 mil e os 100 mil. E falamos de um mercado que, a nível nacional, teve um volume de negócios de 540 milhões de euros em 2015.
Facturação que subiu 4% face a 2014, segundo dados da Informa DB, e que deverá ter subido 3,7% em 2016 face ao ano homólogo, Contudo, no final da década de 1990, esta área era muito diferente, principalmente nos ordenados. Era o tempo das dot-com e, por conseguinte, os serviços de contact center, dentro das grandes empresas, emergiram a partir da área das Tecnologias da Informação, onde “havia referências salariais bastante acima do que são hoje”, detalha Rui.
À medida que se entrava na década de 2000, os serviços de contact center foram reforçados pelas empresas, principalmente da área dos seguros, banca e utilities, num contexto de concorrência mais forte. Com o mesmo dinheiro, era preciso fazer mais. E as negociações passaram a ser mais aguerridas. “Há dez anos, num sector com uma margem comercial de referência de 5% a 6%, havia empresas a pedir reduções de 25% a 30% nos preços”, recorda o presidente da mesa da assembleia-geral da APCC.
Este corte acabou por ser imputado ao elo mais fraco da cadeia: os salários dos operadores, que decresceram. Uma correcção feita muitos anos antes da crise, assume, e que constitui um problema “porque não podemos ter um sector credibilizado quando se generalizou uma remuneração deste tipo numa actividade que se pensa ser relativamente qualificada”.
A Teleperformance aumentou os salários dos seus funcionários para atrair estrangeiros mas, para conseguir suprir as despesas remuneratórias – mantendo uma margem apetecível – diz que os seus clientes têm de pagar mais se quiserem qualidade. “Nós prestamos serviços de maior valor acrescentado. Efectivamente temos preços mais altos, mas assim pagamos mais adequadamente às pessoas”, diz João.
Se se mantivessem apenas no mercado do telemarketing e do simples apoio ao cliente, baseado exclusivamente em Portugal e em clientes portugueses, isso não seria viável, assume. Sem as “injecções de capital” dadas pelas empresas estrangeiras que instalam serviços de apoio ao cliente em Portugal seria possível este aumento dos salários aos trabalhadores do sector? Rui é peremptório: seria impossível.
E João sublinha que ainda sente uma diferença muito grande entre as multinacionais internacionais e as empresas que só adquirem serviços com base no preço. “As empresas portuguesas ainda estão um pouco nessa fase”, acrescenta.
Emigrantes ao telefone
Na Randstad Portugal, empresa especializada em trabalho temporário e gestão de recursos humanos, o negócio dos contact centers tem um peso muito significativo. Escusando-se a apresentar valores concretos Carla Marques, directora comercial da Randstad Contact Centers, revela que a área representa cerca de 50% da facturação.
A importância deste negócio para a empresa fez com que a “oportunidade” de internacionalização não pudesse ser descurada. Contudo, a abordagem é diferente da Teleperformance e pode ser resumida da seguinte forma: vá para fora cá dentro. E o melhor exemplo para ilustrar esta estratégia é o projecto Altice, proprietária da Portugal Telecom, atribuído à Randstad.
Um dos desígnios de um dos sócios da multinacional de origem francesa, o português Armando Pereira, quando a Portugal Telecom foi adquirida, era a abertura de um contact center em Vieira do Minho, terra onde nasceu.
O sonho cumpriu-se, num projecto feito em parceria com a Randstad. Hoje, a empresa já gere dez contact centers afectos exclusivamente à Altice em território nacional e que empregam cerca de 1200 pessoas. Aqui, faz-se apoio ao cliente em francês para uma das operadoras da Altice a partir de Portugal.
E sem ter de captar profissionais do estrangeiro de forma tão intensiva como a Teleperformance. A solução, explica Carla, foi localizar os contact centers em zonas do Norte e do interior com uma componente de emigração muito forte. Isto é, zonas onde é mais fácil captar pessoas que tenham crescido a falar o idioma gaulês.
Mesmo assim, não descuram a captação de profissionais no estrangeiro: segundo Carla, a Randstad está também em contacto com as comunidades de emigrantes portugueses no exterior, acrescenta, “para lhes apresentarmos o nosso projecto.”
Em contraponto, Danilo Moreira chama a atenção para um lado “viciado” do fenómeno dos contact centers no interior, que é o da falta de alternativas. As condições laborais “não são muito diferentes” das de Lisboa e do Porto, mas “normalmente, como há menos mercado de trabalho, as pessoas acabam por, mesmo com os ordenados baixos, ficar anos a fio a trabalhar nesses sítios”, diz.
Carla reconhece que os salários são ainda um factor essencial para atrair pessoas para os serviços de contact center – e sublinha que tem vindo a comunicar aos clientes que tem de “aumentar os salários, de forma a atrair uma nova população ao sector”.
Talvez seja um desafio grande sensibilizar uma empresa, cujo presidente não-executivo, Patrick Drahi, já manifestou publicamente não gostar de pagar salários e que paga “o mínimo que puder”, para o aumento das remunerações dos operadores que estão na linha da frente.
Carla separa as águas, com um ligeiro sorriso, referindo que neste serviço, em específico, há um preço inicialmente acordado com valorização das competências linguísticas. “O que o presidente da Altice disse foi um momento próprio da organização [que lidera] e que não diz respeito à Randstad”, remata.