Na história das empresas há sempre anos que marcam e, nos 87 da história da Meireles, 1996 foi porventura um dos mais importantes. Desde a sua fundação, em 1931, a Meireles sempre foi – e ainda é – uma empresa familiar, mas quando surgiu a oportunidade de ganhar espaço no principal mercado rival, a administração não teve dúvidas e vendeu 30% do capital a uma empresa italiana, também ela familiar, que se dedicava à produção de placas e fornos de encastrar.
As vantagens da parceria com a Nardi Elettrodomestici foram muitas. A Meireles passou a comercializar os produtos da empresa italiana e aproveitou o facto de esta estar mais evoluída tecnologicamente para receber a tecnologia do fogão de 60 por 60, não fabricado pela Meireles. Mas, acima de tudo, era uma parceria que permitia à companhia portuguesa aceder ao mercado externo.
“Quando iam [a Nardi] visitar outros mercados e clientes apresentavam os produtos deles e os nossos e, com isso, conquistámos muitos mercados e conhecemos muitos parceiros internacionais”, revela Bernardino Meireles, presidente da Meireles, à FORBES, realçando a importância da parceria com a empresa italiana.
Entre 2001 e 2002, as duas companhias deram um passo em direcção à Polónia, transferindo para lá a produção de vitrocerâmicas que tinham iniciado em Portugal.
Porém, uma década depois, a sociedade terminou devido à falência do parceiro italiano. Para evitar situações judiciais e a incerteza do destino do capital que pertencia aos italianos, a Meireles comprou a posição. A parceria chegou ao fim, mas não saiu gorada. Os italianos permitiram à empresa nacional dar o arranque da expansão internacional que hoje é uma realidade nos cinco continentes.
O primeiro grande destino da Meireles, ainda na década de 1990, foi Espanha, que é hoje o principal porto das exportações da empresa. Começaram pela Galiza devido à sua proximidade e às suas semelhanças com o norte de Portugal. “A nossa marca é muito forte na Galiza. É um mercado que para nós, em termos de vendas, vale mais de 1 milhão de euros por ano”, afirma Bernardino.
Seguiram-se outras províncias de Espanha, o norte de África, Angola e até paragens mais longínquas, como o Médio Oriente. Em 2000, a empresa de Bernardino tinha concentrado em Espanha e nos países do Médio Oriente praticamente 90% das suas exportações. Hoje, as atenções estão mais viradas para os mercados europeus.
As coisas correram bem até tentarem entrar em Israel, o calcanhar de Aquiles da expansão internacional da empresa. Até aos dias de hoje, a Meireles ainda não conseguiu cumprir todas as regras e certificações daquele país.
“Gastámos muito dinheiro e os produtos ainda continuam no laboratório”, diz Bernardino, sublinhando que já tinham clientes nesse país. É muito comum perder-se negócios por causa das regras de um país, porque uma pequena mudança pode tornar os produtos totalmente inadequados para esse mercado.
Fintar a concorrência
Portugal não é um país frequentemente associado à indústria dos electrodomésticos. Pelo menos não tão facilmente como às indústrias do vinho, cortiça ou calçado. Segundo dados fornecidos pela Meireles, Portugal conta com um total de 70 empresas fabricantes de aparelhos para uso doméstico, sendo que apenas três são de grande dimensão.
Juntas, facturam cerca de 600 milhões de euros e empregam um total de 3500 pessoas. Um sector relativamente pequeno até se juntar a fileira dos produtos para a casa.
Nesse caso falamos de um universo de 4850 empresas, com uma facturação de 2,8 mil milhões de euros, que dão ao mercado português uma dimensão capaz de rivalizar com alguns mercados estrangeiros. A Meireles, que facturou 21,5 milhões de euros em 2017, enfrenta concorrência em todas as frentes.
Por um lado, empresas muito evoluídas a nível tecnológico e de inovação, maioritariamente de países como a Itália e Alemanha, e, por outro, os preços baixos dos chineses e dos turcos. Concorrer com estes mercados não é tarefa fácil, mas a empresa portuguesa optou por não virar costas ao desafio. A primeira medida adoptada foi apostar em mercados europeus, como Inglaterra e França, que procuram produtos de uma gama superior.
Nuno Meireles, filho do presidente e funcionário da empresa, conta que procuram “mercados mais maduros e produto de gama alta”. Assim nasceu a linha premium, direccionada a esses mercados e com uma qualidade também ela superior. “É com esta linha que conseguimos competir com a qualidade italiana”, diz o presidente da empresa.
Por outro lado, Bernardino assume que “é no nicho de mercado que a empresa se tem refugiado para fugir aos concorrentes do preço”. A flexibilidade na produção é outra medida adoptada revelando-se uma vantagem competitiva. A Meireles consegue entregar, no mesmo contentor, vários modelos diferentes, sendo que a maioria das multinacionais concorrentes exige quantidades mínimas.
Para Anabela Barbosa, gestora de comunicação e serviço de clientes, “a grande vantagem [da Meireles] é dar a possibilidade ao cliente de personalizar o produto”. Esta adaptação ao mercado surge através dos tamanhos e das cores: um forno com maiores dimensões é vendido mais facilmente no Médio Oriente do que um mais pequeno e por isso a Meireles criou-os.
Na África do Sul, Austrália ou Reino Unido, por exemplo, um forno colorido vende melhor do que um comum, originando os modelos com cor da empresa. Ainda que estas medidas se tenham revelado uma vantagem também para os dois mercados da Península Ibérica, o problema da concorrência foi menor porque a marca já tem a força dos muitos anos de presença nestes países.
Preparar o futuro
A forma mais fácil de conquistar quota de mercado em alguns países foi substituir a etiqueta “Made in Portugal” pela “Made in Europe”, ainda que a primeira não seja sempre uma desvantagem.
Em mercados como a Jordânia há “clientes que fazem publicidade aos produtos Meireles com a bandeira portuguesa”, afirma Bernardino, mas comparativamente aos italianos acaba por ser uma desvantagem. “Estamos a pagar caro o facto de termos ido tarde para esses mercados. A Itália soube mexer-se bem e mais cedo”, diz Anabela Barbosa.
O “Made in Europe” é também uma vantagem competitiva relativamente aos preços praticados pelos turcos e chineses. Apresentando-se como portugueses, quando chegam a mercados como o do Médio Oriente, “os clientes dizem que o produto tem que ser mais barato do que os produtos italianos”, afirma Bernardino.
Com origem europeia, o preço praticado pode ser mais justo para a empresa porque quando se pensa em produtos de cozinha europeus nesses países, são os italianos que vêm à memória. “A Meireles é um caso de sucesso porque em Portugal poucas empresas chegam à quarta geração”, afirma Anabela. As estatísticas dizem que apenas 8% das empresas familiares chegam à terceira geração, logo, atingir a quarta é motivo de orgulho.
Bernardino, da terceira geração, conta já com seis funcionários da geração seguinte – dois deles seus filhos – uns na empresa há 20 anos e outros há 10. Trabalham todos em “departamentos autónomos, que se conjugam sem se atropelar”, conta Bernardino. O exemplo que o presidente lhes quer deixar passa, acima de tudo, pelo profissionalismo, dedicação e capacidade de liderança. “É muito importante que quem está na empresa verifique se a gestão de topo tem capacidade e sabe liderar”, diz.
O gestor espera que o seu sucessor seja uma pessoa que ajude e saiba explicar como fazer, em vez de apenas mandar. A passagem de testemunho tem vindo a ser preparada entre as duas gerações. Ainda não está definido quem vai suceder ao presidente, mas para evitar problemas hoje e no futuro já foram criados um conselho e um protocolo familiar, onde foram definidas diversas regras. A nível externo, a Porto Business School tem auxiliado nesta mudança.
António Meireles foi o fundador da empresa. Fê-lo há 87 anos no quintal de sua casa, após se interessar por montar fogões a lenha. Pouco tempo depois verificou a existência de fogões eléctricos no mercado e decidiu comprar um modelo estrangeiro.
Copiou-o e acabou por se tornar no primeiro fabricante de fogões eléctricos em Portugal. Hoje, a fábrica em Gandra vai-se revelando pequena para a produção – sendo que 60% são fogões, com um custo de produção de cerca de 100 euros. É naquele espaço que os produtos da Meireles e de todas as outras marcas para quem produzem são montados.
A montagem e o fabrico da estrutura são totalmente “made in Portugal”, mas as restantes peças necessárias têm origem em fornecedores estrangeiros.
“Os grandes mercados [de fornecedores] são Espanha, Itália e Turquia”, afirma Anabela Mendes, responsável da qualidade, realçando que todos os fornecedores são certificados. Bernardino, que nunca trabalhou noutro sítio se não na empresa da família, confessa que a sua maior satisfação seria poder ver a empresa comemorar o seu centenário. Sendo que, nessa altura, já quer ter a quarta geração a comandar os negócios.
De mãos dadas com a tecnologia
A segunda geração da família Meireles teve de ultrapassar um dos períodos mais difíceis da empresa. Após o 25 de Abril de 1974, viveu-se em todo o país uma fase conturbada devido a problemas sociais e à actividade sindical, que originou muitas greves e ocupações fabris.
Bernardino lembra-se das histórias que o pai contava sobre essa altura: “O meu pai contava que os trabalhadores chegavam à empresa um dia e diziam que ninguém ia trabalhar porque estavam em greve por solidariedade com os camponeses do Alentejo, por exemplo”, diz.
O ano do crash, em 2008, foi outro que trouxe algumas complicações ao sector de actividade, principalmente no que diz respeito aos electrodomésticos de encastre. Ainda assim, a crise não foi muito sentida na Meireles porque nessa altura o foco ainda era o fogão. “Só em 2013, quando comprámos a posição da Nardi, é que passámos a trabalhar com encastre”, conta Bernardino.
Olhando para o passado, esses dois períodos podem ser vistos como os maiores desafios para a empresa, mas mais recentemente a evolução tecnológica desempenhou o mesmo papel. É neste campo que Bernardino confia totalmente na quarta geração, a quem chama “os jovens”, e diz que estes se “adaptaram muito mais rapidamente [à era tecnológica] do que as gerações mais antigas”.
Nuno, por sua vez, considera que o sócio italiano foi “uma grande ajuda para introduzir a inovação tecnológica” e considera também essenciais os departamentos que foram criados nos últimos 10 anos: marketing, investigação e desenvolvimento, e o laboratório, que desenvolve e testa produtos.
A grande aposta na inovação é feita através do design. Grande parte do sucesso deve-se às cores, como o vermelho, azul ou bege, que acabaram por conquistar mercados muito exigentes. Podem ser vendidos individualmente ou em trilogias: um exaustor no valor de 235 euros, um fogão de 807 euros e um combinado de 753 euros.
Para o futuro está já desenhada uma linha retro. Baptizada como Retrotech, Anabela Barbosa explica que “é no fundo uma combinação de um design mais retro com tecnologia, que está lá ainda que nem sempre perceptível”.
O projecto foi elaborado por uma empresa externa e aprovada pela direcção da empresa. Mas, acima de tudo, o que se pode esperar desta empresa é uma aposta muito grande na sua marca. O futuro passa por adicionar novas áreas à gama de produtos – como termoacumuladores ou aparelhos de ar condicionado –, mas com o selo da marca nacional e com a chama da família que lhe deu o nome.