Mas nós fazemos isto há anos assim, para que é que vamos mudar?”, exaspera-se o pai de João Bastos e Margarida Bastos, quando confrontado com as ideias de mudança dos filhos em relação à Arcádia, chocolataria decana da cidade do Porto.
Os dois irmãos, ao leme da empresa desde 2001, promoveram uma mudança na postura da empresa no mercado, mantendo a gestão em mãos familiares. “Foi um trabalho que teve de ser feito, porque senão as coisas acabavam por definhar”, conta João Bastos à FORBES.
A Arcádia começou por ser, em 1933, uma confeitaria na Praça da Liberdade na Invicta, fundada por Manuel Bastos, avô de João e Margarida. O pai destes geriu a empresa a seguir. A empresa “confundia-se um bocado com eles os dois”, diz João.
Passavam o dia na confeitaria e conheciam todos os clientes. Margarida e João, juntamente com outros dois irmãos, não ficavam excluídos do esforço familiar: “Lembro-me de que no Natal e na Páscoa, toda a família ia ajudar para a loja, nas mais diversas funções”, diz.
“Muitas vezes com alguma raiva minha. Os meus amigos iam ao cinema e eu tinha de estar ali na caixa”, relembra João.
O “menino Joãozinho”, que andava “de calções” entre a fábrica e a loja, tornou-se economista e chegou a ser quadro da Sonae, ao passo que Margarida se formou em Farmácia e fez carreira na área das análises clínicas.
Assumiram definitivamente a gestão da empresa em 2001, depois do falecimento do pai no ano anterior. O espaço da Arcádia na Praça da Liberdade encerrou nesse ano.
“Não era económica a exploração do estabelecimento. As coisas foram mudando, apareceram os hipermercados, novas centralidades no Porto, a Baixa estava muito desertificada”, explica João, acrescentando que se deu uma deslocalização dos serviços para zonas como a Boavista.
Foram ponderadas novas soluções, como a reconversão da confeitaria num snack-bar, opção recusada pela inevitável descaracterização da Arcádia que daí decorreria.
Fechou-se a loja e abriu-se a seguir o estabelecimento da Rua do Almada, onde estão até hoje e onde ainda se mantém a fábrica. E é a partir desse espaço pequeno que foi relançada uma marca que, hoje em dia, factura cerca de 4,6 milhões de euros anualmente e que conta com cerca de 160 funcionários, contabilizando o pessoal que nas épocas altas da Páscoa e do Natal, colaboram com a empresa.
Ponto de viragem
Com uma estrutura mais reduzida e focados apenas na produção de chocolates, deixando a parte de pastelaria e bebidas para trás, havia muito por onde crescer. A primeira opção foi levar os chocolates para onde o tráfego estava à época – os centros comerciais.
Em 2003 abriram um quiosque temporário da Arcádia no NorteShopping. “Se as pessoas estão lá, vamos lá experimentar se os nossos produtos funcionam e vendem”, explica João. Funcionou quase como uma activação de marca, no fundo: “De facto, essa experiência foi muito enriquecedora para nós, porque as pessoas passavam pelo quiosque” e descobriam que a Arcádia não tinha fechado, diz. Estavam ali, ainda vivos.
Ficaram nos centros comerciais de forma mais fixa quando abriram a primeira loja no NorteShopping, em 2005, já com a componente de cafetaria, com aberturas subsequentes. Contudo, a matriz da Arcádia não era de centro comercial. “Chegámos à conclusão de que o nosso conceito era um conceito mais tradicional, que convivia melhor na rua”, conta João.
“Tivemos algumas guerras com os centros comerciais. Não queríamos ficar nos food courts, não era a nossa forma de estar. E os centros comerciais são muito agressivos na forma como captam os clientes. Andávamos sempre ali naquela dialéctica.”
Em 2008, abriram uma loja na Avenida da Boavista, com 275 m2, com um conceito de salão de chá, recriando um pouco a Arcádia original. Foi um sucesso, conta: “Chegámos a ter 40, 50 pessoas de pé à espera para lanchar”, assegura Margarida, que conta que se cruzava no cabeleireiro com senhoras de idade que “se iam pentear para irem lanchar à Arcádia”.
Hábitos antigos que afinal não se tinham perdido, constata. Resgatar a tradição era, afinal, uma boa aposta.
Expansão modesta
Quando estavam à procura de uma loja em Lisboa, em 2008, a crise do subprime rebentou. A expansão do negócio parecia, à partida, comprometida: “A acessibilidade ao crédito tornou-se muito restritiva e o ambiente económico desaconselhava investimentos”, relembra João.
A entrada em vigor da Lei do Tabaco na época e a mudança de hábitos das pessoas, que restringiram o consumo de refeições e lanches nos cafés, tiveram um impacto negativo, por outro lado, no negócio de cafetaria da Arcádia.
Neste contexto, o que fazer? “Ou púnhamos a nossa expansão no congelador e esperávamos por melhores tempos, ou arranjávamos uma forma de continuar com a expansão. Resolvemos fazer um investimento light.
Em vez de fazer lojas do género da que tínhamos na Avenida da Boavista, lojas que implicavam um investimento na ordem dos 400 mil euros, fomos para investimentos de 60 mil euros, fazendo lojas para vender simplesmente chocolates e amêndoas”, inspiradas no modelo da loja-mãe, detalha João. Estava assim encontrado o rumo: lojas de rua exclusivamente dedicadas à venda de chocolates.
Depois de duas experiências no Dolce Vita Tejo e nas Picoas, em Lisboa, abrem a loja da Avenida de Roma, artéria que corta o bairro de Alvalade, zona de classe média-alta da capital, um dos maiores sucessos da Arcádia.
Hoje em dia, a Arcádia mantém o controlo das lojas localizadas em Lisboa e no Porto e opera fora das duas áreas metropolitanas através de parcerias pontuais em regime de franchising junto de três franquiados.
“Chegámos a ter dezenas de pedidos de franquias que deixámos um bocadinho em stand-by porque não queremos correr o risco de pôr a marca em mãos erradas”, explica João.
Actualmente, a Arcádia opera em 27 espaços físicos e conta ainda com uma loja on-line.
Além de algum fine tuning na rede de lojas existentes, a mais recente aposta é através da rede de cafetarias Coffee Box, explica o administrador da empresa, um conceito de quiosque que acumula a venda de chocolates com a venda de café: “Em geral, aquilo que se faz em quiosques de café em centros comerciais é pobre, sem imagem, sem produto.” A vantagem destes espaços será a venda de chocolates Arcádia, “que mais ninguém tem”, relembra.
Para expandir a marca, o dinheiro aplicado tem vindo “de autofinanciamento e empréstimos bancários”, diz João, ressalvando que a partir de 2009 a crise no sistema financeiro “criou algumas dificuldades que obrigou a adaptar a expansão à nova realidade.”
Investidores em nome próprio, João assegura que não há. “Nós ainda tivémos algumas conversações com capitais de risco, mas depois acabámos por seguir o nosso percurso”, diz. “Há muitos fundos que, mais do que para empresas do nosso género, são para empresas de forte crescimento em que as pessoas querem recuperar os capitais muito rapidamente.” O objectivo agora é manter a estrutura accionista totalmente familiar.
A excepção está no negócio dos quiosques Coffee Box, partilhado com um quadro da empresa, que detém 25%. Contudo, abrem a porta a parcerias desse género no que toca a uma eventual internacionalização, diz João. Todavia, como não vendem para revenda, o mercado externo está, à partida, fechado, excluíndo “casos pontuais”, ressalva o responsável pela empresa.
A internacionalização da marca torna-se, assim, um desafio que, à partida, pode passar pela abertura de “lojas próprias ou franquias” noutros países. “A fazer qualquer coisa na área da internacionalização, vamos com o conceito da nossa loja, com eventuais modificações aos mercados” onde se instalam, explica João. E revela que há mercados onde já houve “demonstrações de interesse”, com bons resultados, como o brasileiro e o angolano.