A procura pelo melhor restaurante para saborear uma boa cachupa, prato típico de Cabo Verde, pode ser intensa. No entanto, o verdadeiro segredo desse prato emblemático reside nas receitas ancestrais que, aos fins de semana, se soltam pelas ruas da capital cabo-verdiana, guardadas por cozinheiras e cozinheiros que as preservam há gerações.
Leila Vaz, de 30 anos, é uma dessas guardiãs. Logo após o nascer do sol, aos sábados, abre a sua esplanada no centro da Praia e junta lenha para acender uma fogueira entre a estrada e o passeio. Um grande painelão fumega ao lume, cozinhando o milho – a base da alimentação cabo-verdiana e um símbolo de resiliência frente às secas e fomes que marcaram a história do arquipélago.
“Uma receita de cachupa nunca será igual a outra”, afirma Leila, referindo-se aos ingredientes que variam conforme a tradição de cada família. “A minha receita é um segredo que não pode ser revelado”, confidencia, enquanto regista os ensinamentos da sua mãe, recebidos quando tinha apenas 15 anos, na zona rural de Achada Monte Negro, em Santiago.
A poucos metros de distância, junto a outra fogueira, Dionísia de Pina, de 42 anos, também prepara a sua versão de cachupa, seguindo uma receita que refina há décadas, desde a infância na ilha do Fogo. “Primeiro o milho, depois o feijão de várias qualidades, junta-se toucinho, carne de porco, cenoura e abóbora”, descreve. E tal como Leila, Dionísia também tem um segredo: um molho escuro de cebola que adiciona à cachupa, elevando o prato a outro nível.
A cachupa, comparada à feijoada ou ao cozido à portuguesa, demora horas a preparar. O milho cozinha lentamente, e os ingredientes restantes, como a carne, necessitam de uma preparação meticulosa. Este cuidado é também uma das razões que torna o prato tão especial para os cabo-verdianos.
Em 2017, Cabo Verde entrou para o Livro de Recordes do Guinness ao preparar, no centro da Praia, a maior cachupa do mundo, com seis toneladas. Este feito reafirma a importância deste prato como um símbolo de união, cultura e identidade para as novas ilhas do arquipélago.
Sofia Semedo, de 32 anos, é outra entusiasta da tradição, incluindo a cachupa no menu da sua esplanada em São Filipe. “Os hambúrgueres vendem, mas a cachupa é incomparável. As pessoas compram em grande quantidade para refogar nos dias seguintes”, explica.
Apesar de estar à frente de um estabelecimento de comida rápida, Sofia rejeita a ideia de improvisar na receita da cachupa, mantendo-se fiel à tradição. “Cachupa sem milho? Isso é impossível!”, exclama, com uma gargalhada.
Carlos Moreira, mais conhecido como Kalu, de 64 anos, também gravou o lugar especial da cachupa em sua vida. “Quando era menino, o jantar era sempre cachupa e o pequeno-almoço do dia seguinte era o refogado”, conta. Hoje em dia, esta tradição mantém-se sobretudo nas zonas rurais, onde ainda se planta milho e se cria porcos.
À medida que a manhã avança, a paciência começa a esgotar-se na esplanada de Dionísia. Os clientes aguardam impacientes, mas vale a espera. Manuel Varela é o primeiro a ser servido com duas caixas de cachupa, a 250 escudos (2,27 euros) cada porção. “Como em São Vicente é a cavala, aqui é a cachupa”, diz, sublinhando a diversidade gastronómica entre as ilhas.
A poucos passos dali, Isaías Gomes, de 38 anos, é o único homem que cozinha cachupa na rua. A sua ligação ao prato veio naturalmente, já que a sua família tem um negócio de carne. “O porco dá tanta coisa que fazer cachupa foi o passo seguinte”, explica, enquanto cuida de um painel capaz de servir entre 40 a 50 pratos a cada sábado.
O prato final da esplanada de Leila vai para Renato Semedo, o proprietário, que partilha imagens da cachupa nas redes sociais, levando esta tradição cabo-verdiana para além do arquipélago. “Lá onde estão, a diáspora cabo-verdiana também tem a tradição de a cozinhar aos sábados”, afirma, destacando que a cachupa é muito mais do que uma simples refeição – é um símbolo de identidade cultural que une todos os cabo-verdianos, onde quer que esteja.
*Lusa*