Os azulejos são um elemento que evoca intimidade. Estão na casa de praticamente toda a gente. Quando estão na rua, trazem esse conforto e beleza para a comunidade. A Galeria Ratton é responsável por inúmeros projectos de arte pública espalhados por Portugal, e que contam com a assinatura de conceituados artistas portugueses e internacionais como Paula Rego, Júlio Pomar, Menez, o japonês Jun Shirasu ou o alemão Andreas Stöcklein.
Obras promovidas pela Ratton revestem hoje estações de metro e de comboio, escolas secundárias e universidades, e até instalações industriais. Mas as intervenções particulares também são possíveis. Tudo em azulejo, brilhante, vivo, com marcada qualidade artística.
São conhecidos pela arte pública que proporcionaram à comunidade, mas têm uma segunda vida mais discreta.
Como no Solar da Palmeira, uma residência privada em Barcelos, que contou com uma intervenção de Andreas Stöcklein, um artista plástico que concebeu uma onda em azulejo numa divisão para uma piscina, integrada num projecto de reabilitação sob o traço dos arquitectos Ana Paula Pinheiro e Rui Barreiros Duarte.
O desdém de alguns artistas em relação a este suporte era normal à data da fundação da Galeria, em 1987. Hoje, porém, parecem ter acabado as reticências face a este medium. “Nunca liguei a isso. E sinto que hoje em dia está ultrapassada essa situação”, congratula-se Ana Maria Viegas, fundadora da Galeria, em declarações à FORBES, depois de uma passagem pela Bordallo Pinheiro, onde teve o primeiro contacto profissional com a arte do azulejo.
Com 30 anos de Galerias completados no mês passado, lidera hoje a Ratton com o seu filho, o arquitecto Tiago Monte Pegado. Para além de promoverem a criação de murais públicos e a criação artística na cerâmica, disponível na Galeria em exposições temporárias, têm um catálogo de azulejos avulsos que comercializam ao público em geral: verdadeiras obras de arte com assinatura, num dos revestimentos mais típicos na construção em Portugal.
Júlio Pomar, Paula Rego, Menez e Graça Morais são os artistas mais vendidos no portefólio da Galeria quando se fala de azulejos individuais, revelam. São utilizados como apontamentos de arte em revestimentos de casas particulares, ou até mesmo como pequena peça artística ou memorabilia do país. “Costumo brincar ao dizer que é a pequena escala da arte pública”, graceja Tiago.
Azulejo versátil
A Ratton conjuga as vertentes de galeria de arte, ateliê de projectos de arte pública e de oficina de produção. Não é uma fábrica, ressalvam Ana Maria e Tiago. O trabalho da Ratton é “juntar as três vertentes, e daí a nossa agitação positiva”, explica o arquitecto, numa azáfama de satisfação das necessidades dos artistas e execução de projectos de monta.
As histórias que o azulejo pode contar são infinitas. É um suporte com uma linguagem própria, mas capaz de conter qualquer tipo de narrativas, reconhecíveis por quem usufrui deles em diferentes países. Na oficina da Arrábida, em Setúbal, é onde se preparam alguns murais, como o do já citado Andreas Stöcklein para a estação de metropolitano Rathaus, na cidade alemã de Essen, no Vale do Ruhr.
Em termos de encomendas privadas, “temos tido várias modalidades de acordo com os artistas”, diz Ana Maria. No caso dos azulejos avulsos, de tiragem ilimitada, “podemos propor a nossa própria integração”. Nestes casos têm algumas encomendas, muitas da parte de designers de interiores, mas “gostaríamos de ter mais”, enfatiza. Algumas acabam por passar por encomendas aos próprios artistas a título privado, como foi o caso do Solar da Palmeira.
Nas intervenções públicas, a valorização do espaço é reconhecida por todos. Prova disso é a defesa aguerrida que as comunidades fazem dos seus murais se virem as obras. Recorde-se o caso de quando instalaram cabos para iluminação pública na intervenção da artista Graça Morais, num viaduto em Rio de Mouro, concelho de Sintra.
Em blogues e nas redes sociais, e mesmo junto das autoridades, cidadãos manifestaram-se contra este vandalismo público. “As pessoas gostaram tanto deste projecto que começaram a telefonar e a dizer ‘estão a furar os azulejos! Não pode ser’”, conta Ana Maria. Um sobressalto cívico para preservar a integridade da beleza que é de todos.