“Estamos a trabalhar, com suporte do FMI, numa estratégia de alivio da dívida externa” 

O primeiro-ministro avançou há um ano que Cabo Verde tinha todas as condições para conseguir a retoma económica. Como está a decorrer o plano de retoma? Um forte programa está a ser implementado para relançar a atividade económica e o emprego, reduzir a pobreza e tornar o país mais resiliente e com uma economia mais…
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Uma economia azul inclusiva e sustentável, defende o Primeiro Ministro de Cabo Verde. A visão de Ulisses Correia da Silva para o seu país numa ENTREVISTA EXCLUSIVA para a edição Especial Cabo Verde.
Economia

O primeiro-ministro avançou há um ano que Cabo Verde tinha todas as condições para conseguir a retoma económica. Como está a decorrer o plano de retoma?

Um forte programa está a ser implementado para relançar a atividade económica e o emprego, reduzir a pobreza e tornar o país mais resiliente e com uma economia mais diversificada. A retoma da economia do país é extremamente exigente face aos fortes impactos da pandemia sobre as finanças públicas, as empresas e as pessoas, e agora com os impactos negativos da guerra na Ucrânia. Neste contexto, é um desígnio nacional posicionar Cabo Verde como um país seguro do ponto de vista sanitário e de saúde pública, aliviar a dívida pública, aumentar a resiliência e diversificar a economia. Um país mais resiliente, com destaque para a transição energética que reduza a dependência de combustíveis fósseis; a estratégia da água para a agricultura que diversifique as fontes de irrigação para a agricultura, associadas à dessalinização e às energias renováveis; a boa governança climática para mitigar os efeitos do aumento da frequência e da gravidade dos riscos hidro-meteorológicos como cheias, inundações e secas severas e o reforço dos instrumentos financeiros de resiliência para atuação em casos de choques externos  e de emergência através do Fundo Nacional de Emergência, do Fundo Soberano de Emergência e do Fundo Soberano de Garantia.

Por outro lado, apostar numa economia mais eficiente, mais diversificada e com maior potencial de crescimento, com destaque para o desenvolvimento do capital humano, a transformação digital, o turismo sustentável, o desenvolvimento da economia azul, e a potenciação da estabilidade e da localização do país para posicionar Cabo Verde como um hub turístico, aéreo, marítimo e tecnológico entre o Continente Africano, a Europa, os EUA e o Brasil e integrar Cabo Verde em cadeias de valor regionais e globais.

 Faz parte ainda da estratégia, acelerar as reformas económicas e institucionais e reforçar medidas para estimular o empreendedorismo e o fomento empresarial nacional e atrair o investimento estrangeiro.

Quais são os três problemas mais prementes do país, do ponto de vista económico?

O desemprego, a dívida pública e o baixo nível de diversificação econômica. Ate 2019, o país estava a registar um crescimento médio anual de 5%, a dívida numa trajetória descendente e o desemprego a diminuir. A pandemia mudou de forma brusca e intensa este quadro e evidenciou a vulnerabilidade de uma economia muito dependente do turismo. É por isso que a estratégia pós pandemia assenta no aumento da resiliência, no alívio da dívida e na diversificação da economia. 

Mas a pandemia continua. Como Cabo Verde um arquipélago que vive de turismo tem lidado com esta situação.

Estamos a conseguir os mais elevados níveis de vacinação no mundo.   Progressivamente, as medidas para a recuperação, estabilização e aceleração do crescimento económico vão produzindo os efeitos.

O Turismo começa a dar sinais de retoma. Hotéis reabriram, navios cruzeiros começam a chegar aos nossos portos e trabalhadores estão a regressar às ilhas turísticas do Sal e da Boavista. 

Medidas de proteção às empresas e ao emprego como o lay-off simplificado, as moratórias e as linhas de crédito de apoio à tesouraria têm sido prorrogadas e vão ser retiradas de forma sincronizada com a retoma da atividade económica. Assim como o plano de relançamento da economia pós-pandemia está a ser implementado para mobilizar parcerias, criar confiança na segurança sanitária e promover o salvamento e o fomento empresariais.

Em relação ao alívio da dívida externa, uma prioridade que assumiu, o que está a ser feito em concreto?

Estamos a trabalhar, com suporte do FMI, numa estratégia de alivio da dívida externa. A proposta é utilizar os recursos libertos pelo serviço da dívida para investir na transformação estrutural da economia que aumente, a longo prazo, o potencial de crescimento econômico do país, aumente a resiliência e diversifique a economia. Serão fortes investimentos públicos e privados na transição energética, na mobilização da água para a agricultura ligada às energias renováveis e à dessalinização, na economia digital e na economia azul. 

Por falar em economia azul, o Primeiro-ministro vai representar Cabo Verde na Cimeira dos Oceanos em Lisboa, Portugal, agora em finais de junho. Pode-nos avançar com que visão e prioridades Cabo Verde vai a Cimeira?

Em Cabo Verde somos muito mais mar do que terra. É nosso compromisso transformar o extenso mar que nos circunda em economia azul, um dos importantes aceleradores dos ODS e que consta da nossa Agenda Ambição Cabo Verde 2030. O objetivo é desenvolver a economia azul num forte compromisso entre a economia e a sustentabilidade; entre a exploração dos recursos e a preservação do ambiente e dos recursos costeiros e marinho; um forte compromisso entre a criação de riqueza, emprego e rendimento e a produção de benefícios ambientais e climáticos positivos.

Ambicionamos uma economia azul inclusiva e sustentável, enquanto importante acelerador do crescimento económico e catalisadora de maior resiliência económica, mais emprego e mais bem-estar para as populações.

O Governo criou um ecossistema com potencial alavancador de várias atividades económicas, no qual interagem as empresas, os investidores, as ONG’s, as universidades, os estabelecimentos de formação profissional, as comunidades pesqueiras. Queremos reforçar o alinhamento de Cabo Verde com as melhores práticas em torno dos grandes problemas ligados aos mares e oceanos.

E como estão a decorrer os preparativos para Cabo Verde receber o “Ocean race” em janeiro 2023?

A presença da Regata The Ocean Race em Cabo Verde representa o reconhecimento mundial da forte tradição marítima do nosso País bem como um enorme voto de confiança no Projeto de Desenvolvimento Sustentável que o Governo tem vindo a implementar desde 2016.

Portanto, irá contribuir significativamente para o desenvolvimento da referida aposta no Oceano. Representa, também, o reconhecimento mundial da confiança e da credibilidade que hoje o nosso País já granjeou bem como da crescente capacidade organizativa de eventos internacionais de topo em Cabo Verde.

E Mindelo vai transformar-se…

Então, estamos em contagem decrescente a preparar a cidade do Mindelo para acolher e tirar maior proveito deste grande evento que é o “Ocean race”. O comércio, abastecimento, restauração, hotelaria, serviços de entretenimento, animação cultural, eventos (carnaval fora de época) e poder projetar São Vicente e Cabo Verde. Representa uma oportunidade de mostrar ao Mundo um Cabo Verde como plataforma da economia marítima, turística e de organização de grandes eventos desportivos. Permitindo assim valorizar a posição estratégica de Cabo Verde no Atlântico Médio, reforçar a notoriedade mundial de Cabo Verde como destino de excelência. Por outro lado, é uma oportunidade para o desenvolvimento da nossa economia local em especial reforçando e modernizando os portos nacionais, em concreto o Porto Grande do Mindelo.

Teremos um momento presente e o que fica para o futuro. Durante os dias da regata, ocupação de hotéis, restauração, animação e entretenimento, o que mexerá com toda a economia da ilha e do país, e que vai colocar Cabo Verde na centralidade do desporto náutico internacional, com ampla cobertura mediática. Para o futuro, é aproveitar ao máximo esta notoriedade e posicionar São Vicente como centralidade no turismo náutico, abrangendo o turismo de sol e praia, cultural e de cidade, e a complementaridade com Santo Antão, que apresenta um turismo mais de montanha e natureza.

O País tem estado comprometido com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Em termos práticos, quais os passos adotados para cumprir esta meta?

 Temos a Agenda elaborada que denominamos Ambição Cabo Verde 2030. É o primeiro passo. A Agenda 2030 está assente em transformações estruturais orientadas para compromissos geracionais ao nível do ambiente, da ação climática e da economia. Trata-se de uma abordagem de políticas com efeitos de longo prazo capazes de tornar Cabo Verde, no horizonte 2030 num país mais resiliente e com uma economia mais eficiente e diversificada. É, também, propósito da Agenda 2030, atingir o desenvolvimento sustentável com base na criação de oportunidades para a ascensão social e económica das famílias; oportunidades de qualificação, empreendedorismo e emprego para os jovens; e redução das assimetrias regionais, garantindo a convergência de todos os Municípios para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Completo um ano da nova legislatura. Como tem sido governar, sobretudo em tempos de crises?

Desde 2017, Cabo Verde vive exposto a choques graves: três anos consecutivos de secas severas, que ainda continua; pandemia da COVID 19; e a guerra na Ucrânia. Temos dado respostas de emergência e rápidas. O Governo tem implementado medidas de proteção sanitária, do emprego, das empresas e dos rendimentos. Conseguimos que a vacinação atingisse níveis elevados, facto elogiado internacionalmente. 

Fortes investimentos foram feitos nas áreas sociais e na segurança pública. Implementamos um forte programa de retoma para relançar a atividade económica e o emprego, reduzir a pobreza e tornar o país mais resiliente e com uma economia mais diversificada.

E, mais uma vez, o Governo adotou medidas mitigadores da guerra na Ucrânia que está a impactar a nível da segurança energética e alimentar. Em suma, temos feito um grande esforço financeiro e gerindo as crises, as contingências, mitigando e protegendo, mas também, a investir na recuperação e relançamento da economia, na resiliência e na sustentabilidade para reduzir as vulnerabilidades do país face a choques externos.

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