O Alentejo é uma região onde o sector da agricultura continua a ter uma forte presença, ainda que, de um modo geral, cada vez menos pessoas optem por uma carreira nesta área. Por isso, não é de estranhar que uma ideia que nasceu para melhorar e aumentar o controlo das culturas tenha a sua origem nesta zona do país.
Culturas como a do milho crescem muito depressa e isso dificulta o acesso por parte dos produtores a essa parcela, e nestes casos é comum aparecerem problemas nas máquinas de rega que, por estarem inacessíveis, não são detectados.
Ao longo da mesma parcela é possível encontrar tipos de solos diferentes, o que exige um tratamento diferenciado de acordo com as características de cada solo. Questões como a clorofila ou os nutrientes podem ser um problema, caso não estejam dentro dos valores adequados. Todos estes factores, que são um inconveniente para os produtores, podem ter agora um controlo muito mais rigoroso.
Rafael Silva, professor da Universidade de Évora, dedica-se à investigação nas áreas das novas tecnologias e agricultura. Quando, em 2014, a Agência Espacial Europeia e a Comissão Europeia lançaram o programa Copernicus, que se dedica à observação terrestre, Rafael identificou uma oportunidade imensa de desenvolver algo interessante face à experiência que já trazia da Academia.
Já com Mário Luís a bordo, para se focar na montagem da ideia em formato de negócio, os dois sócios fundaram a Agroinsider, em Évora, e desenvolveram o projecto Agroradar, que veio auxiliar os produtores portugueses – não apenas na gestão das suas colheitas.
O Agroradar trata-se de “um projecto específico para investigação cientifica”, afirma Mário, que, de uma forma prática, traduz a informação recebida através de um satélite que passa pelas parcelas de cinco em cinco dias para monitorizar o seu estado. “Naquela parcela pode-se ver três ou quatro cores diferentes, numa legenda definida por nós”, diz Rafael, explicando que essas cores podem ser indicadoras de problemas como o stress hídrico ou falhas nutricionais.
Analisadas essas parcelas, face a diversas curvas de frequência estudadas, é dado o alerta ao empresário agrícola através de uma plataforma caso se verifique alguma anomalia. O Agroradar é mais um serviço de monitorização à distância, mas o que torna este projecto inovador é o recurso às imagens de satélite. “Em termos da tecnologia oferecida, eu não conheço nenhuma empresa no mundo que ofereça esta utilização via radar do ponto de vista comercial”, afirma Rafael.
Actualmente são monitorizadas cerca de 4500 parcelas, o equivalente a 630 mil hectares. Todos os dias, os servidores da empresa estão a receber e processar informações sobre as parcelas que pertencem aos seus clientes espalhados pelo mundo. Porém, o negócio não se limita à emissão de alertas. Os sócios foram percebendo que muitos produtores, por vezes, não sabiam o que fazer com a informação que estavam a receber e criaram um gabinete de consultoria. “Pensávamos que as pessoas estavam preparadas para ler a tecnologia, mas começámos a perceber que não”, afirma Rafael.
Abacate, arroz, cana-de-açúcar e algodão são algumas das culturas que a equipa da empresa – constituída por 12 pessoas – monitoriza todos os dias. Os clientes estão inseridos em duas categorias, small farmers e corporate, e para cada um foi definido um preço final.
Para os primeiros, o custo está entre os 3000 e os 5000 euros, independentemente da área e de acordo com o nível de serviço. No caso dos corporate, o valor começa nos 5000 euros, mas não tem um número máximo. Neste caso, o preço está associado à área e à quantidade de trabalho, consoante tenha maior ou menor envolvimento da empresa. Os sócios começaram o negócio com um preço definido ao hectare, mas depois optaram por um modelo com um preço fixo. “Os clientes estavam a cortar área por gastarem mais ou menos, aqui quanto mais informação tivermos, melhor é o resultado”, explica Mário.
Rota agrícola
Mário considera que a agricultura é um mercado difícil, especialmente na Europa, e por isso o foco da empresa é o mundo inteiro. Além de Portugal, os clientes da Agroinsider espalham-se por Espanha, Costa Rica, Colômbia, El Salvador, Nicarágua, Guatemala, Brasil e Angola.
O plano de desenvolvimento estratégico desenhado inicialmente tinha outra estratégia: “A Polónia, para pôr um pé do outro lado da Europa. Já no Brasil, porque se não estivermos lá nem sequer existimos”, conta.
Mas as visitas de Rafael à América Central, por questões familiares, vieram trocar um pouco os planos dos fundadores, que começaram a fazer apresentações do projecto e as propostas começaram a surgir. Tudo isto começou há cerca de um ano e foi de tal forma bem-sucedido que hoje a empresa já tem dois colaboradores no terreno e tenciona abrir um escritório. “Eu diria que se as coisas continuarem a correr assim, aquela zona vai valer mais em termos comerciais que o próprio mercado interno”, diz Mário.
A Agroinsider deu os primeiros passos com o investimento dos próprios sócios, mas ao longo do tempo foram levantados investimentos por parte de programas de incentivos como o Portugal 2020. No total, foram investidos na empresa cerca de 1,5 milhões de euros. A porta de entrada para novos parceiros não está fechada, mas até agora ainda não apareceram as pessoas certas nos momentos certos.
Mário conta que para o seu negócio, qualquer player tem de trazer uma ou duas coisas: “tecnologia ou suporte tecnológico, para nós alavancarmos isto porque os recursos humanos nesta área não são muito abundantes; ou então têm de ser parceiros que em termos comerciais nos possam alavancar para uma dimensão considerável”.
Até hoje, as negociações já estiveram avançadas com três investidores, mas acabaram por não ser finalizadas por incertezas dos sócios. É importante que a proposta iguale as ambições e os objectivos traçados para a empresa. “Para quem começou numa zona que em termos financeiros e de potencial económico não é a mais relevante, mas em termos agrícolas é mais importante, eu acho que já fizemos um percurso muito interessante”, realça Mário.
Com o recurso à inteligência artificial, os sócios da empresa pretendem continuar a desenvolver projectos, além do Agroradar, que podem vir a auxiliar em problemas como a falta de recursos humanos no sector da agricultura. Com os olhos voltados para o futuro, Mário mostra que os objectivos da empresa estão muito bem definidos. O principal passa por ter a empresa posicionada “em três ou quatro mercados e ter relevância enquanto marca”, explica.
Outro dos objectivos é o de chegar aos 2,5 milhões ou 3 milhões de euros de facturação até 2022 – sendo que no ano passado tiveram contabilizaram 250 mil euros, valor que pretendem duplicar já este ano, o que vai depender da rapidez com que conseguirem entrar em alguns mercados.
Num futuro mais próximo, os clientes da AgroInsider podem contar com alterações na plataforma de forma a torná-la mais evoluída.