É uma mulher que desde cedo começou a perceber o valor da responsabilidade social e o da necessidade de uma maior contribuição das empresas em relação aos problemas sociais, ambientais e éticos, assim como da adopção de uma postura de maior responsabilidade com os impactos que geram.
Leonor Sá Machado nasceu há 65 anos, em Lisboa, Portugal, mas veio para Angola com apenas quatro anos de idade, na companhia de seus pais e irmão. Foi neste país que despertou o interesse em olhar e cuidar dos outros. Em 2020, ganhou a nacionalidade angolana, o que lhe permitiu contribuir melhor para o desenvolvimento do país que diz amar bastante.
“Eu acho que isso [responsabilidade social] é uma coisa que nasce com as pessoas, porque lembro-me perfeitamente de que, em Luanda, trazia as pessoas e os animais. Se um colega precisasse de lanche, eu levava-o para casa. Se um cão vadio precisasse de acolhimento ou alimento, também o levava para casa. Então, isso perseguiu-me a vida toda. Foi muito bom, e tive o apoio dos meus pais neste sentido”, partilhou com a FORBES ÁFRICA LUSÓFONA.
Licenciada em Relações Públicas e Publicidade pela Universidade Lusófona de Lisboa, em 1988, Leonor Sá Machado é uma profissional com experiência acumulada nas áreas de marketing e comunicação, tendo sempre ocupado cargos profissionais de responsabilidade que exigem conhecimento técnico.
Na sua carreira, entre 1978 e 2013, foi directora-geral e executiva de marketing e vendas de importantes multinacionais, como a Johnson & Johnson, Bimbo Bakeries, Heinz Portugal e Renova Portugal e Espanha, tendo sob a sua responsabilidade a gestão de produtos e serviços líderes de mercado.
Também como executiva do extinto Banco Espírito Santo em Angola, representou o terceiro sector em várias reuniões das Nações Unidas, em Nova Iorque, defendendo a importância da contribuição das empresas privadas na implementação de projectos de responsabilidade social corporativa.
“Eu tomei como missão fazer estes projectos em Angola. Decidi ficar num país que tem muitos muros porque há muita adversidade. Por exemplo, aumentaram o preço do gasóleo, o que vai provocar consequências dramáticas às famílias. Portanto, cada vez que nós sentimos que há uma adversidade, mais dificuldades, temos de implementar projectos, embora as empresas privadas em Angola estejam numa fase de investimento na responsabilidade social”, afirmou.
No país de origem, Portugal, é responsável por iniciativas como as conferências angolanas sobre a mulher e a violência doméstica e o projecto que promoveu um maior interesse dos estudantes angolanos pelas áreas da ciência e tecnologia, tendo ainda liderado no Brasil programas de cirurgia reparadora para mulheres vítimas de violência doméstica, realizados nos estados de São Paulo e Mato Grosso.
Entretanto, em 2012, Leonor Sá Machado criou a TheBridgeGlobal em Angola, com o objectivo de construir pontes entre empresas, governos e sociedade, no desenvolvimento de projectos de sustentabilidade direccionados, sobretudo, às pessoas.
“Trabalhamos em várias áreas. Portanto, temos os nossos projectos de cidadania, como é o caso do Criar, programa que tem como objectivo geral fomentar a formação profissional, a empregabilidade e a inclusão social de jovens nas empresas, de forma a ganharem experiência para se poderem candidatar ao mercado de trabalho, representando um compromisso com o crescimento individual e colectivo, contribuindo para uma sociedade mais inclusiva e para um mercado de trabalho mais acessível e equitativo”, reforçou.
O projecto foi lançado em Fevereiro de 2023, mas só três meses depois começou a funcionar, permitindo colocar cerca de 80 jovens no processo de estágio em diversas empresas privadas, nomeadamente, Pumangol, ENSA e Casais Angola.
“Temos a tarefa muito grande de querer incluir cada vez mais jovens, mas isso depende das empresas. Nós temos parceria com as 12 universidades mais importantes do país, com as quais assinamos acordos de cooperação. Estamos a falar de instituições como a Universidade Católica de Angola (UCAN), a Universidade Agostinho Neto (UAN), a Universidade Metodista de Angola e o Instituto Superior Politécnico de Tecnologias e Ciências (ISPTEC). Quando precisamos de jovens, pedimos, e eles enviam-nos listas. Já tivemos uma empresa que nos pediu 120, mas ainda não está nas contas porque o projecto ainda não foi implementado”, apontou.
Ao desenvolver competências, promover a integração social e profissional, e apoiar a requalificação e a reentrada no mercado de trabalho, o programa desempenha um papel crucial na transformação das vidas dos participantes, equipando-os com as ferramentas necessárias para o sucesso.
“Temos a tarefa muito grande de querer incluir cada vez mais jovens, mas isso depende das empresas. Nós temos parceria com as 12 universidades mais importantes do país, com as quais assinamos acordos de cooperação.”
Para aumentar a confiança no sistema financeiro angolano e promover o uso responsavel da tecnologia, em Novembro de 2022, a TheBridgeGlobal lançou, em parceria com a Empresa Interbancária de Serviços (EMIS), o projecto Cidadão Digital para divulgação e capacitação da população em matéria de cidadania digital.
Trata-se de um projecto que aborda temas como segurança digital, uso adequado das redes sociais e dos meios de pagamentos, desenvolvendo na população angolana resiliência contra fraudes nos pagamentos, incentivando a adopção de novos hábitos e mentalidades para evitar comportamentos de risco. A divulgação dos conceitos de cidadania digital é dirigida não apenas a adultos, mas também a crianças e jovens, utilizando uma metodologia que busca desencadear uma acção multiplicadora nos diferentes públicos, garantindo a longevidade e o impacto do projecto ao longo dos anos.
O projecto, que funciona na província de Luanda e Benguela, já realizou, até ao momento, 999 apresentações a um total de 65 727 pessoas (47%) do sexo feminino e 34 629 (53%) do sexo masculino. A estratégia de comunicação do projecto Cidadão Digital, diz Leonor, está a atingir resultados “bastante positivos”, ao gerar consciência e cobertura mediática significativa sobre a importância da segurança digital e financeira em Angola. A segunda fase teve início em Outubro de 2023, e prevê alcançar 210 mil pessoas em Luanda e 60 mil em Benguela, perfazendo um total de 270 mil cidadãos sensibilizados.
A luso-angolana, amante do mar e do cinema, tornou-se em 2023 a primeira estrangeira a receber a medalha Ruth Cardoso, entregue a personalidades e instituições responsáveis por projectos sociais direccionados à mulher, em cerimónia do Conselho Estadual da Condição Feminina, ligado ao Governo de São Paulo.
Leonor de Sá Machado foi contemplada pelo trabalho à frente do primeiro Programa de Cirurgia Reparadora para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica, iniciativa que viabilizou operações plásticas para 30 pacientes no estado de São Paulo, Brasil. O projecto surgiu em Outubro de 2013, como meio de facilitar o acesso, de mulheres que sofreram algum tipo de agressão, à cirurgia plástica reparadora gratuita.
A iniciativa empreendida por Leonor contou com a parceria da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), que mobilizou profissionais para realizar os procedimentos. Todo o processo de triagem das solicitações encaminhadas a uma central foi conduzido pela TheBridge, empresa que promove projectos de responsabilidade social, em parceria com governos, instituições e sociedade civil, no Brasil e em Angola.
Entre Outubro de 2013 e Junho de 2014, o projecto recebeu uma média mensal de 200 ligações, que resultaram em 30 mulheres operadas – algumas tiveram de realizar várias cirurgias. A triagem levava em consideração uma série de factores, como, por exemplo, tipo de agressão sofrida pela vítima e gravidade das consequências, condições socioeconómicas da paciente, entre outros.
O processo era minucioso e tinha como foco garantir o direito à cirurgia a quem realmente precisa. “Tive uma enorme surpresa ao saber que receberia a medalha. Pode dar mais visibilidade, à divulgação do projecto, para que as mulheres que sofrem uma violência saibam que podem recorrer às cirurgias reparadoras”, ressaltou.
A empresária realçou que a medalha pode ajudar também a encontrar empresas que façam projectos com a mesma qualidade e divulgar a acção para que ela possa ser implementada em outros pontos do Brasil. Na área da responsabilidade social, Leonor Sá Machado considera que o seu propósito é mudar vidas, transformar e fazer com que as pessoas tenham esperança.