Antes do comércio on-line, das viagens fáceis ou de Portugal ter direito a receber casas próprias de marcas como a Michael Kors ou a Prada, havia pouca opção para quem queria – e podia – comprar “o último grito da moda” internacional. A Loja das Meias foi uma das primeiras a permitir esses pequenos luxos em Lisboa, numa história que se conta em mais de um século. Agora, a empresa tem finalmente lugar na avenida mais luxuosa da capital, no espaço que foi sede da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários durante dez anos: o número 256 da Avenida da Liberdade passa a ser a Loja das Meias, com direito a dois andares e montras rasgadas até ao chão. “Há quatro anos que pensamos em vir para a Avenida”, revela Pedro Miguel Costa à FORBES, enquanto passamos em frente à fachada da nova loja, que abriu no final do mês, substituindo o espaço comercial da Rua Castilho.
“Ali estávamos perto da avenida, mas não tão perto que as pessoas fossem fazer compras. Quer dizer, os portugueses iam, mas os estrangeiros não. E as marcas que representamos também já queriam estar aqui”, conta o responsável pela área das compras, representante da quarta geração da família que detém a companhia.
A Loja das Meias nasceu em 1905, no Rossio, vendendo espartilhos e meias. O bisavô Pedro, empregado da loja, foi um dos três funcionários que herdou o negócio aquando da morte do anterior dono, que não tinha descendentes. Os outros dois sócios acabariam por abandonar o projecto, e, desde então, a Loja tem estado na família Costa: “o meu bisavô era um inovador, já naquela altura. Veio de Alhos Vedros para Lisboa trabalhar aos 14 anos e foi sempre querendo mais. Levava a família a viagens em Londres e Paris, onde ia ver leilões de antiguidades, pelas quais era apaixonado, e aproveitava para ver as montras”, conta o bisneto com um brilho de orgulho no olhar. “O meu avô nasceu já dentro desta cultura de ir ao estrangeiro, de ver além deste Portugal, que é óptimo, mas que é pequeno, em termos de dimensão. Dizem que era uma pessoa muito bonita, muito charmosa e um óptimo relações públicas. E o meu pai nasce, também dentro dessa cultura, mas com um cunho empresarial muito mais intenso”. Mas se tanto o bisavô como o avô – ambos de nome Pedro – eram apaixonados pela estética, pela arte, e assim fizeram crescer o negócio, o pai, também ele Pedro, é um gestor. “Cresceu num ambiente de pós-guerra, nos anos de 1950, com a economia a crescer, e teve o sentido de inovação para perceber que o nosso cliente não estava apenas na Baixa mas na Castilho e nas Amoreiras”, razão pela qual apostaria na abertura destes dois espaços.
Longe do on-line
Ainda é a Pedro Nazareth Costa, o pai, portanto, que cabe a liderança da empresa, mas aos 82 anos, o empresário “delega muito” embora “tenha sempre a última palavra”, garante o Pedro filho. Responsável pela venda de marcas como Céline, Dior, Lanvin ou Salvatore Ferragamo, a Loja das Meias garantiu, no ano passado, uma facturação superior a 8 milhões de euros, com os estrangeiros a suportar cerca de 20% das vendas.
A empresa tem duas lojas em Lisboa – uma no Centro Comercial Amoreiras e outra na Avenida da Liberdade –, uma em Cascais e uma em Maputo, Moçambique. De momento, não há planos para atacar o comércio on-line. “Seria complicado para nós termos uma estrutura própria de venda on-line. E não faz muito sentido, porque as marcas têm os sites próprios, além de existirem plataformas como a Farfetch para o fazer”, refere o gestor. O investimento seria provavelmente demasiado e, por isso, a companhia não arrisca. Até porque o negócio ainda está a recuperar dos embates de 2014, quando foi alvo de uma profunda reestruturação, que ficou marcada por um processo de despedimento colectivo e pela remodelação da loja das Amoreiras. “Gastámos muito dinheiro.”
Em 2015, as vendas registaram um decréscimo de 2,93% e o resultado líquido sofreu uma quebra de 25%. Contudo, Pedro revela que o ano em que mais se sentiu a crise nas contas “foi com a crise do BES. Foi quando sentimos que uma parte importante da nossa clientela portuguesa ficou muito, muito afectada. Não sei se financeiramente, se apenas em termos de retracção do consumo”. Em 2016 espera-se um comportamento semelhante: a loja da Castilho em liquidação total vai impactar as vendas e as obras na Avenida da Liberdade não vão ficar baratas. No entanto, nem se pôs em causa não dar este passo. “Eu e as minhas irmãs estávamos mais receosos que o meu pai, que com os seus 82 anos nos disse: ‘eu vou. Se vocês não quiserem, não vão’”, solta com uma gargalhada.
“Ele podia ser o primeiro a dizer que já não tinha energia para uma coisa destas e olhe…” Além da pressão do patriarca, as marcas que já trabalham há mais anos com a empresa começavam a sentir-se desconfortáveis por não estarem no principal eixo da moda da cidade.
No final de 2014, o jornal “i” escrevia que a Avenida da Liberdade geraria um volume de negócios na ordem dos 14 mil milhões de euros ao ano, e isto sem contar com os bancos.
Na ocasião, os números foram considerados realistas pela União de Associações do Comércio e Serviço.
Apesar de 2016 ter começado com um bom mês em termos de vendas, houve alguma retracção em Fevereiro, que, segundo Pedro, tem a ver não apenas com as questões macroeconómicas que gravitam em torno do Orçamento do Estado e das instabilidades dos lados de São Bento, mas também com a crise do petróleo, que afecta os países emergentes e afasta os clientes brasileiros e angolanos. No entanto,as mudanças que este novo espaço trará – duas montras exclusivas para a Céline e para a Dior e colecções completas das casas – poderão ajudar a colmatar a retracção do mercado.
Hoje, poucas coisas restam da primeira Loja das Meias, que, entretanto, saiu do Rossio – o edifício acolhe agora a Benetton. Uma delas é um conhecido painel de Querubim Lapa, que figura no novo espaço da avenida. “É uma forma de termos a história presente”. O espaço da Rua Castilho ainda não tem futuro definido, nem há pressa na decisão, uma vez que pertence à família, “e só receberá algo que faça sentido” à marca. Se será um restaurante, uma loja ou uma galeria e se a família continuará o caminho sozinha, só o tempo o dirá.