Define-se como uma mulher meio introvertida e ao mesmo tempo firme naquilo que quer e acredita. Em conversa com a FORBES ÁFRICA LUSÓFONA, a empresária moçambicana Sofia Cassimo fala das suas vivências no mundo do empreendedorismo, onde, apesar dos vários obstáculos que vai encontrando, desistir nunca fez parte da equação.
Licenciada em ciências biomédicas e em epidemiologia e saúde social, pela Universidade de Coimbra (Portugal), em 2014 decidiu abraçar o empreendedorismo, ingressando na Associação das Mulheres Empresarias e Empreendedoras Moçambicanas (FEMME), onde veio a ser eleita vice-presidente, três anos depois.
Na sequência deste mandato é indicada pela Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) presidente do pelouro da Mulher Empresária e Empreendedorismo. Durante a sua carreira profissional treinou mais de 700 empreendedores e forneceu mentoria e consultoria empresarial para mais de 200 mulheres e jovens empreendedores.
Mas a queda para o associativismo e empreendedorismo terá começado um pouco antes. Aos 18 anos, altura em que deu início à sua formação superior em Moçambique, juntou-se à Associação dos Estudantes, para mais tarde, já em Portugal, aliar-se à Associação dos Estudantes em Coimbra.
“Sempre percebi que este tipo de movimento apoia imenso. Quando queremos levar alguma coisa avante, é importante estarmos juntos e delegarmos, ligando isso com o empreendedorismo local”, afirma.
Sofia tem três empresas ligadas à área de empoderamento económico e empreendedorismo e inovação. Trabalha maioritariamente com moçambicanos e tem parceiros em Angola, Cabo Verde, Portugal, Alemanha e já chegou a operar no Brasil.
Sem puder precisar quanto terá injectado para dar início aos negócios, diz apenas que começou com poupanças próprias. “Quantificar agora não consigo. Já se passou tanto tempo”, justifica.
À FORBES, a empresária conta que o seu percurso no ramo do empreendedorismo começou entre 2013 e 2014, depois de estar a trabalhar numa organização internacional, onde, explica, identificou alguns gaps no mercado moçambicano, na área de desenvolvimento, em que maior parte da oferta para mulheres empreendedoras e para o desenvolvimento local era operada por Organizações Não-Governamentais e havia um grande público de consultores para trabalhar nestas áreas, em Moçambique.
Foi a partir daí que decidiu avançar com a sua primeira empresa, a Samsara Development and Investement, focada no apoio ao desenvolvimento de projectos de negócios e investimentos de impactos, ligando os empreendedores, mas focada sobretudo no acesso à novas oportunidades de negócios, a nível regional e internacional e, também, fazendo a ponte entre os operadores locais, doadores e Organizações Não-Governamentais internacionais, interessadas em trabalhar em Moçambique.
“Não é que seja impossível ir sozinho, mas com os parceiros a responsabilidade é partilhada e, para que se alcancem os objectivos, cada um dos parceiros deve dar o seu melhor”.
O pelouro da mulher empresária e empreendedora na CTA, a principal entidade patronal privada de Moçambique, conta com cerca de 25 mulheres o que, segundo Sofia Cassimo, é muito pouco representativo, se se olhar para o tecido empresarial nacional. Porém, rebate, se se considerar cada uma das entidades que compõem o pelouro, a situação muda. É que só a Federação de Mulheres Empresárias e Empreendedoras de Moçambique (FEM), congrega cerca de 200 mulheres e 1.500 membros individuais.
Outras organizações que fazem parte da Confederação das Associações Económicas de Moçambique, como é o caso da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), também tem no seu seio muitas outras mulheres, embora em número inferior aos homens e em desvantagem em termos de oportunidades.
“Temos o custo de registo ou de formalização do negócio que, em Moçambique, infelizmente, é bastante alto. Como pelouro, e mesmo a CTA enquanto organização, tem vindo, consecutivamente, a apelar junto das entidades competentes, nomeadamente o Governo, que devemos rever os custos judiciais de alguns destes processos que os empreendedores são obrigados a enfrentar para poder formalizar as suas empresas, numa lógica de estimularmos o empreendedorismo e termos um sistema empreendedor mais permeável e inclusivo”, realça.
Por outro lado, a empresária sublinha que deve-se rever os procedimentos e custos de modo a diminuir a informalidade e criar o autoemprego, através de iniciativas empreendedoras de jovens e mulheres.
“Também temos a parte do custo pessoal de que se fala muito pouco. Ser empreendedora é uma jornada muito solitária. Nem sempre as nossas famílias são acolhedoras ou flexíveis no entendimento do que é ser empreendedor. Muitos dos nossos pais ou familiares sonharam que íamos ser advogadas, economistas, ou trabalharmos para uma multinacional ou em grandes empresas do Estado e ter um salário normal, pelo que isto de fundarmos o nosso próprio negócio, nem sempre é bem acolhido em casa”, disse.
A empreendedora adianta ainda que o “custo social”, que tem que ver com a falta de tempo, “já que o empreendedor está quase sempre a trabalhar”, apontando como exemplo a situação por que ela passou quando deu à luz ao seu segundo filho – que pela lei de licença de maternidade em Moçambique devia ficar dois meses em casa –, duas semanas depois teve de regressar ao trabalho, porque, como afirmou, a empresa dependia dela.
“Acho que conciliar a família com o trabalho não é fácil e quem diz que consegue conciliar está a mentir. Mas isso acontece aos homens também. O que normalmente acontece é a redefinição do equilíbrio e nota-se que o equilíbrio vai ser mais para um lado ou para outro. Nos negócios, existem fases que realmente dependem muito de nós em que temos de ficar mais focados e, quando isso acontece, a nossa vida doméstica pode deixar de ser tanto a prioridade. Mas depois conseguirmos contrabalançar.
“Na vida nunca conseguimos ter um equilíbrio perfeito”, defende.
No seu percurso no mundo dos negócios, Sofia diz que a grande lição que aprendeu é que quando se tem parceiros certos as coisas se tornam mais leves e mais fáceis de executar. “Não é que seja impossível ir sozinho, mas com os parceiros a responsabilidade é partilhada e, para que se alcancem os objectivos, cada um dos parceiros deve dar o seu melhor”.
Quanto a facilidades para as mulheres moçambicanas que queiram empreender, Sofia garante que o pelouro da Mulher Empresária e Empreendedorismo da CTA, de que é presidente, tem criado mecanismos, entre os quais, “custo muito baixo para registar um negócio”, já que, clarifica, os que estão plasmados nos registos simplificados não abrangem todos os negócios de jovens ou mulheres empreendedoras.
Segundo a responsável associativa, a nível da CTA, “têm o diálogo público privado, que é algo único dentro da CPLP, o que tem ajudado muito enquanto sector privado”, na busca de soluções para alguns problemas que as empresas têm a nível do ecossistema, que por decreto tem uma plataforma que é o DPP, que permite o sector privado sentar para discutir sobre os desafios existentes.
“Um exemplo disso é o salário mínimo. A discussão tem sido tripartida, entre o Governo, os sindicatos e o sector privado, que chegam ao acordo para definir qual é o salário mínimo para cada sector. Outro exemplo é o da revisão da lei do trabalho, algo que foi muito importante, porque realmente era uma lei que defendia particularmente mais os trabalhadores e o sector privado ficava com algumas limitações. Com aquilo que foi nosso impute, conseguimos ter uma lei de trabalho um pouco mais flexível para aquilo que era as nossas necessidades”, sublinhou.
“As mulheres moçambicanas são boas empreendedoras”
Sobre as mulheres moçambicanas, Sofia Cassimo considera serem “muito boas a empreender”, mas realça que existe a necessidade de se “desbravar um pouco o caminho” para lhes dar acesso, seja em que estágio os seus negócios se encontrem, a novas oportunidades no mercado.
“As mulheres empreendedoras são fantásticas, e posso falar de dois países que conheço bem, Moçambique e Angola, onde tenho trabalhado bastante. Somos países muito similares em termos de empreendedorismo feminino e as mulheres vão muito atrás daquilo que elas querem, têm muita força, muita motivação, em comparação com os homens. Podem ser um pouco menos propensas aos riscos, mas isso é característico das mulheres empreendedoras”, enfatiza.
A empresaria vai mais além e realça que as mulheres são muito boas em criar negócios e a fazê-los sobreviver, mas que o problema reside no medo de fazer crescer o negócio. “Falo particularmente do mercado moçambicano. Abrem-se outras oportunidades para as mulheres, mas elas questionam-se: será que vou ter capacidade? Esta dúvida da capacidade ou medo do risco pode estar patente neste risco de crescimento e aí ser necessário realmente ter um tipo de intervenção, quer a nível das organizações que trabalham no empreendedorismo e a nível das associações.
Segundo Sofia Cassimo, em Moçambique, mais de 60% da economia reside em micro e medias empresas, onde o sector informal ocupa uma boa percentagem, sendo que, pelo menos, 52% são mulheres.
“As mulheres ainda não estão reflectidas dentro das estratégias geopolíticas que são criadas para melhoria do ambiente de negócios ou para puxar uma economia em crescimento. Então, é importante ter garantia que de facto nós estamos a construir o futuro do país e que as perspectivas daqueles que são os grupos que estão a frente do empreendedorismo são ouvidas”, considera.
A empresaria sente igualmente que mulheres ainda têm pouco espaço para mostrarem o que realmente valem no mundo dos negócios, apontando como exemplo a constituição dos boards dos bancos, conselhos directivos ou associações empresariais. “Têm muito pouca presença de mulheres que se façam ouvir”, aponta. Mas Sofia diz que tal não deve ser atribuído à discriminação. “Creio que nós mulheres temos de fazer maior esforço parta ocupar posições privilegiadas, por meio do nosso mérito. Temos de saber ocupar os espaços criados e marcarmos a nossa presença”, advoga.
“Empreendedorismo no digital estimulado pela Pandemia”
Para a presidente do pelouro da Mulher Empresária e Empreendedorismo, afecto a Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), a transição do empreendedorismo para o digital foi, sem dúvida, estimulada pela Covid-19.
“Trabalho muito na área da capacitação para o empreendedorismo, com especial foco em mulheres, e nos nossos programas e projectos vemos que elas têm uma tendência e uma facilidade muito maiores em fazer esta transição, porque percebem o valor agregado que traz para o seu negócio”, sublinha.
Sofia Cassimo realça que a utilização de grupos de WhatsApp e do Facebook para venda tem tido bom efeito e que tem vindo a ser aprimorada pelo Instagram, que se tornou numa montra digital dos negócios para as mulheres que, por exemplo, vendem roupas em segunda mão e conseguem fazê-lo de uma maneira mais “apelativa e elegante”.
“Em Moçambique até o trabalho das mulheres que tinham serviços que antes necessitavam de contacto físico, como a contabilidade, coach¸ advocacia, hoje ficou mais flexível. Vejo que as mulheres são muito mais permeáveis a fazer a transição tecnológica do que os homens”, frisa.
Entretanto, apesar dos passos significativos, a empresaria aponta ainda que uma das grandes barreiras ao empreendedorismo em Moçambique é o acesso ao financiamento que, segundo vários estudos, é ainda mais difícil para as mulheres. “Mas também se observa uma preocupação crescente das instituições financeiras em criar linhas específicas para a mulher empresária. Isto alivia, de certeza”, reconhece.
Tudo pelo empoderamento da mulher
Fundadora da Samsara Development & Investment, Sublime Foods and Goods e co-fundadora da SIGG – Solutions igniting Growth e associate na ideiaLab, Sofia Cassimo já trabalhou, além de Moçambique, em países como Angola, Namíbia, ESwatini, Zâmbia e Botswana.
Diz ser apaixonada por temas ligados ao empoderamento das mulheres e equidade de género, tendo sido trainer e business advisor de mais de 500 mulheres ao longo da sua carreira.
Actualmente é a presidente do Pelouro da Mulher Empresária e Empreendedorismo na Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA), em representação da Federação Nacional de Mulheres Empreendedoras (FEMME), onde é presidente interina, e Chapter Head para Moçambique da African Women in Business (AWIB).
A moçambicana que ocupa os tempos livres, entre outras coisas, a ouvir podcasts, estar com a família e indo à praia, tem como filosofia de vida “seguir sempre em frente”, pois diz acreditar que na vida há momentos para tudo. “O que importa é o que aprendemos e o que levamos connosco adiante”, diz.
Sonha em deixar um legado para as futuras gerações do país que a viu nascer, Moçambique, principalmente no que toca à equidade do género no mundo empresarial, e fazer parte da sua história.