No início de 2016, dois anos depois de assumir o comando da Microsoft, Satya Nadella quis ouvir a opinião de um dos seus mais jovens colaboradores e co-fundador de uma ferramenta de desenvolvimento de programas que a Microsoft acabara de comprar.
Nadella estava prestes a fechar um negócio multimilionário – a aquisição do LinkedIn, por 23,5 mil milhões de euros – mas queria falar sobre outra empresa que tinha debaixo de olho, a Github. “Vamos conseguir? Será que conquistámos a confiança necessária para avançar?”, perguntou Nadella ao executivo.
Na altura a resposta foi não. A Github é o ponto de encontro da comunidade de programadores, um site onde milhões confluem para trocar ideias, fazer compras e partilhar código-fonte.
Na década de 1990, no auge da Microsoft, a empresa ganhou fama de beligerante, por não tolerar este tipo de comportamentos e ser exactamente o oposto da Github, que assim dispensava ter qualquer tipo de relação com o gigante de Washington.
Mas dois anos e um novo líder bastaram para a Github tomar uma posição que surpreendeu tudo e todos: quando em Junho de 2018 chegou o momento de escolher um comprador preteriu a Google a favor da Microsoft, que acabou por aceitar o negócio por 6,5 mil milhões de euros.
Foi a última grande jogada de Nadella, de 51 anos, que assim se aproxima cada vez mais das raízes, da cultura que Bill Gates defendia para a empresa. “Bill dizia-me sempre: ‘por cada dólar que ganhamos, temos de dar a ganhar cinco ou dez dólares aos nossos clientes’”, recorda numa recente entrevista à FORBES.
Gates lembrou-o diversas vezes de que várias grandes empresas foram, em tempos, construídas a partir de código Microsoft. A missão de Nadella será precisamente essa: reconstruir a Microsoft para que, um dia, isso aconteça novamente. “Queremos voltar a ter essa capacidade”, sublinha.
“Bill dizia-me sempre: ‘por cada dólar que ganhamos, temos de dar a ganhar cinco ou dez dólares aos nossos clientes’”, recorda numa recente entrevista à FORBES.
Há vestígios dos progressos de Nadella um pouco por todo o lado. Da assistente de voz que faz a integração com a assistente digital da Amazon, a Alexa, até à aliança com a Samsung, passando pelos resultados financeiros da empresa – pormenor nada despiciendo.
As receitas rondam os 96 mil milhões de euros e têm crescido a um ritmo de dois dígitos depois de uma década de quedas sucessivas devido, em larga medida, aos elevados custos – e margens – do negócio na nuvem (cloud) que a Microsoft criou em torno do Office e do Azure, o concorrente directo do Amazon Web Services.
Os dois representam receitas na ordem dos 14,5 mil milhões de euros, sendo a maior fatia assegurada pelo Azure, que tem crescido a uma taxa anual de 91% com contratos plurianuais.
Estes feitos fizeram com que em Novembro se tornasse na empresa mais valiosa do mundo, relegando a Apple e a Amazon para segundo plano – e, de acordo com os analistas, deverá alcançar em breve a fasquia do bilião de euros em capitalização bolsista.
Todos a bordo
Nadella está de parabéns. Desde que assumiu o leme, em 2014, quando sucedeu a Steve Ballmer, que a nova “onda” na Microsoft não pára de crescer. Qual foi o segredo? Nadella explica que recentrou o foco da empresa num simples conceito: crescimento equitativo. “As pessoas passaram, finalmente, a exigir que ‘não se crie apenas riqueza para nós próprios. Em que estado está o mundo à nossa volta?’. É aí que eu acho que estamos a dar o nosso melhor”, realça.
Poucas semanas depois de assumir o cargo de presidente-executivo, a empresa inaugurou o seu serviço na nuvem, o Microsoft Azure, para os programadores criarem aplicações iOS mais facilmente.
No ano seguinte, Nadella usou um iPhone numa apresentação – algo absolutamente impensável para uma empresa que desenhou o Windows Phone em 2010, mas que nunca ganhou asas, e que depois queimou mais de 6 mil milhões de euros na compra da divisão de telemóveis da Nokia, um projecto que quando Nadella entrou em cena assumiu como fiasco e pôs um ponto final na história.
Nos bastidores, o engenheiro dedicou-se a polir a cultura da Microsoft, que sempre considerara os seus concorrentes como inimigos, vivendo num permanente “clima de guerra”, para usar as palavras de um executivo da Oracle.
Isso e a obsessão com o seu sistema operativo Windows, a galinha de ovos de ouro da empresa, fizeram com que fosse apanhada desprevenida pelo boom da cloud (o Amazon Web Services é o melhor exemplo) e pelas empresas de software on-demand, como a Salesforce.
“As pessoas passaram, finalmente, a exigir que ‘não se crie apenas riqueza para nós próprios. Em que estado está o mundo à nossa volta?’. É aí que eu acho que estamos a dar o nosso melhor”, realça Satya.
Nadella, que trocou a Índia pelos EUA em 1988, estava por dentro do assunto e ajudou a empresa a dar forma ao negócio da cloud antes de ascender a presidente-executivo.
Convidou pessoas estratégicas para os lugares-chave e eliminou as barreiras entre a Microsoft e o rival de código aberto Linux, que o seu antecessor, Steve Ballmer, tratara amiúde por “cancro” da indústria. Nadella e Scott Guthrie, o novo patrão da cloud, acolheram o Linux na arquitectura de TI do Azure, que hoje é usado por metade dos sistemas operativos que operam na cloud Microsoft. “Quando alcançámos esse sucesso, com ele veio também a clássica húbris, que eu descrevo como o complexo de superioridade. Quando isso acontece, temos de mudar de atitude”, explica o responsável.
Para rivalizar com o arranque massivo da Amazon na cloud – estima-se que o Amazon Web Services tenha facturado cerca de 23,5 mil milhões de euros, contra os cerca de 8,7 mil milhões de euros do Azure e dos 2,6 mil milhões de euros da Google – a Microsoft resolveu apostar nos seus parceiros.
Hoje em dia, a equipa de vendas é recompensada sempre que um negócio com um aliado-chave da Microsoft se traduz num aumento de actividade na cloud da empresa. Mais. As empresas que trabalham com o Azure começaram também a ser chamadas para negócios avaliados em milhões de euros.
Bob Muglia, presidente-executivo do fabricante de software Snowflake e ex-veterano da Microsoft – onde trabalhou 23 anos, tendo saído no tempo de Ballmer – resume o que todos pensam: “Ninguém estava à espera disto. Satya percebeu rapidamente que vivemos num mundo orientado para os serviços.”
A Starbucks usa os serviços da Microsoft para dinamizar a sua aplicação de encomendas e enviou uma dezena de engenheiros à maior “maratona” do mundo organizada pela Microsoft. Calma, ninguém vai correr. Na verdade, é uma hackathon – mais uma ideia de Nadella –, uma abordagem “completamente diferente do que seria de esperar de uma empresa de software tradicional”, diz Gerri Martin-Flickinger, director do departamento de tecnologia da Starbucks.
Há quem coloque reticências a esta nova exuberância, pois grande parte do êxito da Microsoft resulta da migração dos clientes existentes para os serviços na cloud e para o Office 365, e questione a solidez da estratégia, afirma Dan Ives, analista na Wedbush, uma empresa de investimento sediada em Los Angeles.
Apesar da abrangência do portefólio da Microsoft ser um dos seus pontos fortes, também poderá vir a ser o seu calcanhar de Aquiles. “O sucesso pode vir a ser novamente o seu grande inimigo e a empresa corre o risco de cair nos erros de outros tempos”, frisa Raimo Lenschow, analista no Barclays. (Ambos fazem uma leitura optimista em termos de preços de acções).
Com um naipe tão apetecível – depois de comprar o criador do “Minecraft” por 2,2 mil milhões de euros em 2014, e a ferramenta de desenvolvimento de programas Xamarin, por, estima-se, 349 milhões de euros em 2016, a somar ao LinkedIn e ao GitHub – a equipa de Nadella tem de evitar retomar velhos hábitos, como contratos restritivos a longo prazo.
Além disso, importa ainda perceber como Nadella vai integrar todas estas novas aquisições na Microsoft. A história diz que não será fácil, mas, para ultrapassar todos estes desafios, o líder confia na sua visão: colaboradores, clientes e parceiros satisfeitos – incluindo programadores maldispostos e rabugentos – têm de fazer um bom trabalho para a empresa também poder progredir. “Um produto com êxito é aquele que também gera êxito à sua volta”, realça o líder da Microsoft.
Para chegar a bom porto, Nadella terá de contar com a visão de novos líderes como Nat Friedman, co-fundador da Xamarin, a quem pediu opinião sobre a Github em 2016 e que depois convidou para ficar aos comandos do negócio.