Na entrevista concedida à FORBES, a educadora menstrual fala, sem tabus, das motivações que nortearam o lançamento do projecto virado à educação menstrual das meninas em diferentes faixas etárias, bem como à criação de produtos sustentáveis para o uso íntimo, com o propósito de reduzir o impacto ambiental.
Como nasceu a ideia de ser educadora menstrual?
Em 2018, a Organização Não-Governamental (ONG) para a qual trabalho estava a implementar um projecto de promoção de higiene e saneamento em escolas das regiões de Bafatá e Oio, na Guiné-Bissau. O projecto, denominado “Nha Lua”, tinha uma componente de higiene menstrual e precisavamos de pessoal para dar formação acerca da menstruação. Ao procurar profissionais a nível nacional, constatei que os únicos que estavam disponíveis eram enfermeiras e parteiras que, entretanto, tinham um foco muito medicalizado e reprodutivo. Comecei a pesquisar para poder apoiar na formação de educadoras menstruais nas escolas. A paixão foi crescendo e finalmente em 2020 fiz um curso específico para ser educadora menstrual.
De concreto, o que faz uma educadora menstrual?
A educadora menstrual é uma profissional que se dedica a ensinar sobre o corpo feminino, construindo novas narrativas sobre a menstruação para diferentes públicos, como crianças, adolescentes e adultos. No meu caso, dedico-me especialmente às crianças e adolescentes.
O dia de aniversário deste projecto, 28 de Maio, coincide com a celebração do Dia Mundial da Gestação e Higiene Menstrual. Foi um casamento propositado?
Sim. A iniciativa “Nha Lua”, que em crioulo significa “minha menstruação”, foi criada para promover a dignidade menstrual em duas componentes, nomeadamente acesso a produtos menstruais mais seguros e sustentáveis, bem como o acesso a conhecimentos sobre a menstruação de base científica, livre de preconceitos e tabús. As duas componentes andam juntas. Após um ano do “Nha Lua”, tive a certeza do que já desconfiava: as pessoas que menstruam não usam produtos menstruais re-utilizáveis, pois isso implica ter de lavar um sangue que erradamente acham sujo. Então o nosso trabalho é simultâneamente derrubar os mitos e tabús em torno da menstruação e oferecer um leque de opções às pessoas, onde possam optar por produtos que poluam menos o ambiente.
Quais são para si as informações primordiais que as meninas raras vezes recebem no início do seu ciclo menstrual?
São várias as informações em falta e outras distorcidas. Por exemplo, sobre as mudanças físicas, emocionais, mentais na puberdade e adolescência, informação correcta sobre como e porquê acontece a menstruação. Ainda se ouvem discursos como “a menstruação é sangue sujo que sai do corpo da mulher” quando esta frase é uma inverdade.
Entende que o absentismo das meninas na vida estudantil na Guiné-Bissau também tem alguma correlação com a falta de conhecimento e forma de estar durante a menstruação?
Sim, claro! O estudo MICS6 que é o “Programa Global MICS”, foi desenvolvido pelo UNICEF como um programa internacional de inquéritos múltiplos, junto aos agregados familiares, para ajudar os países a coletar dados internacionalmente comparáveis em uma ampla gama de indicadores da situação de crianças e mulheres. Estes Inquéritos servem para medir indicadores-chave que permitem aos países gerar dados para uso em políticas, programas e planos nacionais de desenvolvimento e monitorar o progresso em direção aos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e outros compromissos acordados internacionalmente.
O que este estudo diz?
Por exemplo, este estudo revelou que 10 % das meninas e mulheres nas faixas etárias entre os 15 e os 19 anos e entre os 20 e os 24 anos confessaram ter deixado de participar em actividades sociais, na escola ou no trabalho, devido à sua última menstruação. No meio escolar, o absenteísmo está ligado às dores e desconforto durante a menstruação, falta de produtos higiénicos e casas de banho sem condições para que as meninas possam fazer a sua higiene íntima.
O planeamento familiar é algo que já se começa a levar em conta, ou ainda falta amadurecer e sensibilizar para esta temática?
Creio que, apesar de termos de melhorar a abordagem do tema, já houve avanços nesta área com a disponibilidade de métodos contraceptivos em muitos lugares. Entretanto, o que falta fazer é alfabetização corporal, fazer com que as meninas e os rapazes conheçam o seu corpo e saberem como funciona, em vez de deixar tudo nas mãos dos profissionais de saúde, que muitas das vezes prescrevem e aplicam os métodos contraceptivos sem explicar como funcionam e os seus efeitos colaterais.
Como avalia o conhecimento dos guineenses sobre a menstruação, ovulação e o ciclo menstrual?
Num estudo-piloto realizado em 2018 pela Organização Guineense de Desenvolvimento nas regiões de Bafatá e Oio, foi possível identificar que 56% das jovens das zonas rurais referiram não ter qualquer informação sobre a menstruação no momento da menarca e que 83% das jovens não sabiam o significado biológico da menstruação. Apesar destes dados serem de zonas rurais, a minha experiência como educadora menstrual mostrou-me que mesmo em Bissau as pessoas não têm conhecimentos fiáveis sobre estes assuntos. Tudo se refere ao ciclo menstrual (alguns preferem utilizar o termo ciclo ovulatório) e as suas diferentes fases.
Foi através do pensamento ECO que surgiu a ideia de criar pensos em tecidos e todas as outras ferramentas recicláveis?
Realmente a postura ECO foi um dos motivos para criar os pensos, mas não só. Quando falo de produtos sustentáveis, falo de sustentabilidade ambiental, por exemplo, do facto de uma mulher vir a usar e descartar em torno de 9.600 pensos ou tampões durante toda a sua vida fértil. Mas, quando usamos produtos reutilizáveis, também estamos a contribuir para a sustentabilidade financeira, pois o gasto é menor.
Entende que o valores que pratica são acessíveis a todos os bolsos, uma vez que a intenção é dar uma alternativa e ser inclusiva?
Apesar de à primeira vista parecer que são caros, vendo numa prespectiva não tão imediata veremos que não são. Senão vejamos: um pacote de penso descartável (do mais barratos) custa cerca de 1 euro. Supondo que a pessoa usa um pacote por mês, ao fim de um ano gastamos 12 Euros. Um kit de pensos “Nha Lua” (com três pensos mais uma sacolinha) custa 5 euros. Supondo que eu compre dois kits, ainda teria gasto menos que o custo anual dos pensos descartáveis. Um copo menstrual custa também cerca de 10 euros, podendo durar no mínimo 5 anos.
Encontra receptividade à sua sensibilização?
O caminho ainda é longo, por causa dos inúmeros tabus menstruais que a nossa sociedade ainda tem. Mas, acredito que a cada vez que falo com dez pessoas, consigo reduzir estigmas e tabus de pelo menos cinco.
Quais são os maiores obstáculos com que se depara?
São justamente o estigmas e tabus repassados ao longo de séculos no meio religioso, social e até académico.
Que mensagem gostava de deixar para a sociedade no geral?
A minha mensagem vai no sentido de se normalizar a menstruação. Apartir do momento que o acto de menstruar for tido como um processo biológico e natural como por exemplo comer, as coisas ficarão mais fáceis. As pessoas menstruantes deixarão de estar constrangidas por estarem a menstruar e lavar o seu próprio sangue deixará de ser um nojo, as meninas não ficarão apavoradas com a sua primeira menstruação.