A sociedade de capital de risco Indico Capital Partners lançou em Dezembro o seu primeiro fundo de venture capital, dedicado a empresas tecnológicas em fase inicial de investimento – seed ou série A.
Desde então, os três sócios do fundo, Stephan de Morais, Ricardo Torgal (ambos antigos quadros do braço de venture capital do banco do Estado, o Caixa Capital) e Cristina Fonseca, co-fundadora da Talkdesk, o mais recente unicórnio de criação portuguesa, anunciaram cinco investimentos em empresas cumprindo critérios estritos – sendo que a última é a luso-brasileira Zenklub, uma plataforma com foco na saúde mental – mas que ainda assim não cabem todos numa folha de Excel.
O principal investidor do fundo da Indico é o Fundo Europeu de Investimento (FEI), que se juntou a mais de 20 outros investidores institucionais e individuais, como a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD), o Draper Esprit (um importante fundo de capital de risco sediado no Reino Unido), fundos de pensões, instituições de ensino e pesquisa, gestores de património e muitos empresários locais e internacionais.
A estratégia de investimento está bem definida: no radar dos três gestores caem apenas empresas que estejam numa fase inicial da sua vida, mas que carreguem uma enorme ambição e com potencial de se tornarem líderes globais.
O mesmo se aplica na margem de manobra do investimento: “o fundo investirá tipicamente entre 150 mil e 5 milhões de euros por empresa”, refere a sociedade de investimento numa nota publicada no seu site.
No total, já desembolsaram perto de 2,85 milhões de euros, cerca de 6% dos 46 milhões de euros que o fundo detém como “poder de fogo”.
Qual o balanço que fazem dos primeiros quatro meses do fundo que lideram?
Cristina Fonseca – Estamos cansados (risos). Lançámos o fundo em Dezembro, mas estamos a trabalhar juntos desde Setembro de 2017. Estes investimentos já anunciados são fruto não do trabalho de três meses, mas de um ano e meio.
Quantas empresas já avaliaram?
Stephan de Morais – Já vimos mais de 900 empresas desde que começámos a trabalhar. Acabámos por investir entre 0,5% a 1% dos projectos que vemos, mas estamos muito contentes com o nosso actual portefólio. Com o aparecimento da Indico, o ecossistema nacional todo tem agora um ponto fulcral para onde se virar. Temos muito deal flow. A Cristina, que faz a primeira triagem das empresas, tem tido essa experiência da quantidade enorme de empreendedores que entram em contacto connosco diariamente. Depois, a execução dos próprios investimentos é um processo complexo que demora algum tempo.
O que é que falhou para que tivessem “chumbado” 99% das empresas que avaliaram?
Cristina – Há muitos projectos que estão numa fase muito inicial. Investimento de venture capital é para tu escalares uma oportunidade muito grande. Não investimentos em powerpoints, por exemplo.
Ricardo Torgal – Não é pejorativo investir em powerpoints. Significa investir numa fase mais inicial. A palavra não é rejeitar. Não se enquadram é na nossa política de investimento. Temos um mandato dos nossos investidores e actuamos conforme esse mandato.
Stephan – O que todas as empresas devem querer ter é clientes, e rapidamente. Até porque muitas delas não são diferenciadas ao nível de poderem a vir receber investimento de venture capital. A segunda barreira é ser demasiado cedo para um investimento nosso, [quando os projectos estão] sem produto e sem clientes. A terceira é não terem um produto que resolva um problema de forma altamente diferenciada face ao que existe no mundo. A quarta, é o facto do mercado não ser grande o suficiente. Nós precisamos de empresas que tenham mercados potenciais gigantes. E a quinta, e mais importante, quando todas as outras forem cumpridas, é quando o tipo de promotor não é o adequado. Ou seja, não têm a experiência técnica ou níveis de ambição ou humildade suficientes.
Apontou uma série de critérios que podem ser medidos de forma mais ou menos quantitativa, como o mercado potencial de uma empresa. Mas a parte mais subjectiva está na personalidade dos empreendedores.
Stephan – Há uma fronteira ténue entre a ambição e o realismo. Nós vemos pessoas com muita ambição, mas que não têm noção das barreiras que vão enfrentar e que estão a sobrevalorizar as suas próprias qualidades. Há pessoas que estão conscientemente, no fundo, a mentir, e há outras que inconscientemente estão a dizer coisas que não fazem sentido. Essa avaliação, que é muito subjectiva, vai-se fazendo à medida que se vai falando com as pessoas, onde formamos a nossa opinião. Também pedimos referências a outros, perguntamos como é que correu no passado junto de outros investidores, colegas, subordinados, chefes. E fazemos frequentemente avaliação com consultores externos que tentam aferir melhor que tipo de personalidade temos à nossa frente. Isto é muito importante numa fase inicial de investimento, fundo não há muitas métricas. Muitas vezes o negócio está no início, o mercado muitas vezes ainda se vai criar, não há contas. É muito importante saber quem é o empreendedor e a equipa.
Há casos de empreendedores que estariam melhor a trabalhar por conta de outrem?
Stephan – Há excepções, mas os empreendedores com mais sucesso têm por volta de 40 e poucos anos. Porque as pessoas que têm um pouco mais de idade já estiveram em determinadas indústrias e identificaram problemas específicos dessa indústria que eles vão tentar resolver. Isso não quer dizer que não existam casos como a Talkdesk, de pessoas novas que identificaram oportunidades em indústrias que até nem conheciam, mas [onde detectaram] uma transformação tecnológica que poderia afectar essa indústria.
Cristina – Isso também joga bem com o facto de haver uma série de empresas zombie em Portugal. É fácil manter-se um negócio e é barato. Há muitas empresas que se calhar já deviam ter fechado. Autointitulam-se start-ups e andam aí, talvez, há meia dúzia de anos sem sair do mesmo sítio. Essas pessoas deviam estar a gerar valor noutro sítio.
Stephan – Estão a desperdiçar recursos dos investidores e estão a ter um custo de oportunidade face a elas próprias. Podiam ser mais felizes e mais produtivas, aprender e depois voltar. É por isso que somos partidários de fechar as empresas que não estão a resultar, e que as pessoas tenham uma nova oportunidade de começar. Às vezes, a grande responsabilidade dos investidores é fazer com que isso aconteça porque, naturalmente, o empreendedor não tem a capacidade de despedir-se do seu bebé. Ele acredita, porque se não acreditasse, não era empreendedor. O Stephan tem uma frase muito interessante que circulou na imprensa quando lançaram o fundo: “acabou-se o amadorismo” no investimento em Portugal.
O que consideram amadorismo?
Stephan – Não é por acaso que a Indico conseguiu levantar capital junto de grandes investidores internacionais. Há um histórico criado ao longo de muitos anos, da Cristina como empreendedora, e nosso na Caixa Capital. Levou-nos a concluir que, de alguma coisa, estaríamos a fazer bem em termos profissionais. Aqui há uns anos havia entre 4 ou 5 investidores todos iguais. Agora não há dúvidas. Quem conseguiu levantar capital a sério é porque alguma coisa fez. Se antes na Caixa Capital já tínhamos um deal flow de qualidade, agora na Indico temos ainda mais.
O que têm de diferente dos demais?
Stephan – Os empreendedores inteligentes, os que querem ter acesso a grandes rondas de capital internacional, já antes iam à Caixa Capital, agora vão ainda mais à Indico. Nós somos a porta de entrada para rondas de financiamento internacionais grandes se as empresas cumprirem com as suas métricas. Se não cumprirem, seremos os primeiros a dizer para pararem e irem fazer outra coisa, fazer outra empresa, e se tudo correr bem podemos vir a apoiar outra vez. Tudo isto contrariamente a práticas de continuar a financiar empresas que não fazem sentido ou continuar a estruturar operações de financiamento de formas que prejudicam as empresas e os empreendedores. Nós continuamos a ver isso em Portugal. Há um ou dois fundos em Portugal que são completamente profissionais e sobre os quais não há a menor dúvida.
Não querem identificar alguns nomes?
Stephan – Os fundos independentes profissionais são os fundos feitos à semelhança do que se faz lá fora. São os únicos que alinham interesses entre a equipa de investimento e os investidores. Os outros não alinham interesses, porque não há correlação entre o que ganha um gestor de um fundo que não é independente e o que ganha uma start-up. A melhor correlação possível faz-se com fundos independentes, privados, e não ligados ao Estado.
O Estado é amador a investir?
Stephan – O Estado é sempre amador, obviamente, a investir. O Estado não tem o mesmo alinhamento de interesses de um privado.
Ricardo – O Estado cobre falhas de mercado. Tem de se definir quais são as falhas de mercado em Portugal. Por exemplo, nos fundos independentes, não há nenhum fundo ligado a Ciências da Vida. Se não há nenhum fundo dedicado a essa área, o Estado tem de ajudar a criar um fundo de Ciências da Vida ou, durante algum tempo, substituir e apostar só nessa área.
Cristina – Mas se calhar davam-se apenas, na minha opinião, 50 mil euros por empresa. Se uma pessoa com 50 mil euros não chega a sítio nenhum, [é provável que não chegue com] 200 mil ou 300 mil euros. Daí resultam essas empresas zombie. Às vezes, essas empresas têm injecções de capital muito elevadas para aquilo que são as necessidades reais numa fase inicial.
Não há é muitos casos de sucesso no Estado.
Ricardo – A questão é: deveria haver? Se um organismo público está a assumir falhas de mercado, temos de assumir à partida que não pode ter grandes casos de sucesso. Isso é igual em todos os países do mundo. Não pode é concorrer com privados.
Quando um fundador de uma empresa vos bate à porta, o que é que ele procura?
Stephan – Procura capital e, temos muitas provas nesse sentido connosco, procuram muita ajuda para passar à fase seguinte. Procuram pessoas que estejam lado a lado a ajudar a atingir as métricas, a contratar pessoas, a ajudá-los na estratégia, no pricing, no produto, e obviamente nas futuras rondas de investimento. Procuram uma escola, um parceiro que os ajude a chegar à fase seguinte. É o que se chama smart money, não é só exigir, dar dinheiro e pedir relatórios de contas. Isso implica muita intervenção da nossa parte. É por isso que não podemos ter mais de quatro ou cinco empresas sob a alçada de cada um.
Não há muita gente de fora a investir por cá.
Stephan – Muitas vezes diz-se “venham os investidores internacionais!”, mas há bons, maus e péssimos. Os melhores, em geral, são os que levantam mais dinheiro. Isso faz com que estejam cada vez mais longe do mercado nacional, porque é demasiado pequeno. Daí a importância de fundos nacionais competentes, profissionais, independentes, que possam fazer essa ponte. Nós não vamos substituir os internacionais e os internacionais não nos vêm substituir a nós. Os bons fundos internacionais são é demasiado grandes para qualquer mercado nacional. No entanto, cria-se a percepção errada de que é necessário haver fundos gigantes para cobrir falhas de mercado.
Ricardo – No mercado espanhol, não há fundos para series B, C. Não há!
Em relação a unicórnios tivemos a Farfetch e hoje a Outsystems e a Talkdesk. Nada mau em comparação com Espanha, que tem a Cabify…
Ricardo – … a Glovo e mais algumas. Têm cinco. Mas não vamos comparar o mercado espanhol com o português. Em todos os segmentos, estão muito mais à frente do que nós. Eles têm é uma visão diferente. São muito consumer, e Portugal é um país muito enterprise, apesar da Farfetch, que é um outlier. Os fundadores portugueses têm a visão de quererem ir para os países anglo-saxónicos. Os espanhóis querem ir para a América Latina. Mas as empresas espanholas são gigantes. O campeonato dos unicórnios nós podemos ganhar, mas o que conta é o ‘papel’. E, no ‘papel’, os espanhóis estão à nossa frente. É um mercado cinco vezes maior.
Stephan – E a quantidade de exits. Exits a sério, de 50 milhões, 100, 200, 500 milhões. Não há comparação. A quantidade de fundos, a profundidade do mercado de business angels… É outro campeonato. E, quanto a nós, é importante lembrar que não houve ainda nenhum exit a sério em Portugal. Nenhum.
Não há capital em Portugal.
Stephan- Há capital. O que não há é muito capital dedicado a esta área. Há uma grande dificuldade. Nós temos muitos investidores portugueses, mas devíamos ter muitos mais.
Ricardo – Há uma subcapitalização da economia portuguesa e isso é um dos males há séculos, não é uma coisa que se resolva de um dia para o outro. As nossas empresas estão subcapitalizadas, não há pessoas ricas o suficiente que arrisquem nesta classe de activos…
Cristina – E depois também não há exits para devolver dinheiro de volta ao ecossistema.